sábado, abril 15, 2006

“A independência do cristão”

Mas a sua situação não é cómoda. A nenhum dos idólatras apaixonados deixará de ser suspeito. Todos os que estão, inconscientemente embora, contra a pessoa humana o denunciarão.
O escritor francês Bernanos, num livro célebre, deixou cair esta frase: “o oportunismo sagrado da Igreja”. Muitos interpretarão oportunismo no sentido de maquiavelismo. Deveriam antes pensar em transcendência, que não consente a Igreja possa ser prisioneira senão da verdade e do amor.
A todos os sectarismos, o cristão parecerá herético; a todos os messianismos, parecerá conformista; a todas as insurreições, parecerá traidor. O cristão estará sempre em contradição com tudo que é inquinado de idolatria: isto é, que pretenda ser como Deus. O seu oportunismo chama-se antes realismo cristão, sentido do ser, ou (o que é o mesmo) da verdade, da razão, da natureza. O cristão, como tão vivamente sentia o Apóstolo, foi libertado por Cristo das cadeias que faziam gemer pelo Redentor a Criação.
A sua independência, num mundo de tantos altares, menos o do Deus verdadeiro, como outrora na luminosa Atenas, revela-se apenas isto: fidelidade, autenticidade.

D. Manuel Gonçalves Cerejeira
Cardeal Patriarca de Lisboa

(Última Lição como Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra – 1958) (excerto-continuação)

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