quarta-feira, abril 30, 2008

Onde é que nós íamos?!


Ah, já sei, nas maravilhas do mercado global, nas empresas repletas de engenharia financeira, sem a chatice dos trabalhadores, e nós no aconchego do condomínio fechado, esperando que a enorme 'sanzala' que (democráticamente) fabricámos nos forneça a força de trabalho, a recibo verde, e vá extraindo da terra ardente o cereal que necessitamos para comer os nossos 'croissants'!
Mas o mundo não se deixa domesticar tão facilmente, nem a mão invisível nos conduz aonde esperamos, pode dar para o torto, e quem imaginaria que em Londres uma dona de casa viesse a sofrer com o racionamento do arroz! Será só uma crise passageira, uma consequência da subida do preço do petróleo (há quanto tempo não encho o depósito do meu carro com arroz!...) ou é o princípio do fim de outra utopia! E como sonhar é fácil, talvez seja preferível sonhar com outra história já que esta nos ameaça com o pesadelo da fome!

sábado, abril 26, 2008

Uma boa oportunidade


Se houvesse um bocadinho de bom senso, disfarçavam, nem era preciso bom senso, bastava um mínimo de bom gosto e esqueciam a data, tal como a juventude a ignora e foge da política porque desconfia dos políticos!
O 25 de Abril, o 28 de Maio, o 5 de Outubro, para não ir mais atrás, com cravos ou sem cravos, são datas de guerras civis, lutas fraticidas entre portugueses, e por isso, ninguém com dois dedos de testa se lembraria de comemorar tal coisa. O que seria expectável é que no fim de cada uma destas 'revoluções', os vencedores a festejassem e os vencidos a chorassem, e depois todos a esquecessem porque a vida continua. Mas não, nesta terra a política virou propaganda, portanto, os que ganham e conquistam o poder, continuam a comemorar o facto atirando anualmente à cara do adversário os louros da sua vitória. E curiosamente, esperam que os vencidos do dia estejam contentes e abrilhantem o festejo!!!
Claro que isto não podia dar certo, e daí o ar sorumbático e comprometido dos 'convivas'. Daí a morte anunciada destas datas que a memória não retém! Ou se retém é pelos piores motivos.
Salazar, que era de facto mais esperto que os do seu tempo, neste capítulo das comemorações fez os possíveis para desvalorizar e fazer esquecer, quer o 28 de Maio, quer o cinco de Outubro. E fê-lo, não por amor à verdade, mas por razões estratégicas, para não criar cisões profundas entre os portugueses, cisões que o obrigariam mais tarde ou mais cedo a definir-se, e isso ele não queria. A sua longevidade política dependia muito (e dependeu) dessa indefinição.
Ora aqui estava, portanto, uma boa oportunidade para esta terceira república afirmar alguma superioridade sobre as anteriores, assumindo os erros cometidos, a tragédia da descolonização, podia também assinalar a virtude pelas regiões autónomas, mas de seguida encerrava definitivamente as comemorações! Que hoje só interessam a alguns, aos que herdaram o estado novo, e como justificação para se eternizarem no poder, garantindo assim os interesses anexos. Para o país estes festejos não interessam, para além de absurdos, perpetuam desconfianças, dividem em lugar de unir, e impedem que a nação se mobilize para as tarefas do futuro. E são dispendiosos.
Em suma, só inconvenientes.

sexta-feira, abril 25, 2008

Fado


Serenamente
sem aflição
ainda espero
no cabo raso
da ilusão
.
Mas diz quem sabe
que a velha nau
sem ousadia
ficou parada
na calmaria
.
Não há palavras
nem que dizer
do que sobrou
Madeira Açores
haja o que houver
.
Assim fizéramos
noutras paragens
e igual certeza
dessa maneira
bem portuguesa
.
Serenamente
por teimosia
ainda espero
no cabo raso
da utopia!

quinta-feira, abril 24, 2008

Amanhã há guerra?


Pergunta-me uma angustiada criatura! E insiste, sim, no Terreiro do Paço, por causa da extrema direita! Mas como, replico, se nem direita temos como pode haver extrema?! A guerra é contra a extrema esquerda, esclarece-me, contra a liberdade! Tento então explicar-lhe que a extrema esquerda também não existe, o que existem são arruaceiros sem qualquer cultura política, recrutados para isso mesmo, para provocarem arruaças, casos de polícia, que não se alarme em vão. E acrescento, neste país nunca há guerra, inventámos a quezília permanente para que não haja uma guerra declarada. Crimes e traições, sim, mas pela surra. A grande especialidade são revoluções de cravos e rotundas, telegrafadas posteriormente ao resto do país! Que as acata sem pestanejar e sem esperança!
Convenhamos no entanto que a situação não é famosa, o regime não tem saída, dependemos totalmente de terceiros e o custo de vida agrava-se diáriamente. Nestas condições a coisa pode tornar-se perigosa, um pequeno aumento pode riscar o fósforo! Recordem-se para o efeito as 'portagens' de Cavaco!
Só o estômago levanta este povo silencioso e pachorrento do sofá da bola!
E a conversa termina com uma pergunta maliciosa: mas estes feriados não era suposto serem dias de unidade e alegria entre os portugueses?! A que propósito vem a guerra?!
Não houve resposta.

quarta-feira, abril 23, 2008

Papéis trocados!

“O Tratado de Lisboa, tão glorificado pelo PS e pelo seu Governo, tão apoiado pelo PSD e CDS-PP, propôe a perda da soberania nacional na gestão dos recursos biológicos marinhos. Esta é também uma perda da autonomia regional. Os Açores perdem a possibilidade de decidir sobre as suas águas territoriais”, afirmou Jerónimo de Sousa nos Açores!
Fonte: Jornal Público de 21/04/08.

Resumindo, enquanto os partidos do chamado arco governamental vão entregando a Bruxelas anéis e dedos, o velho partido comunista assume posições que não envergonhariam um partido conservador português, se ele existisse!

domingo, abril 20, 2008

Oposição - uma receita caseira

É uma receita tradicional portuguesa, as mil e uma maneiras de não haver oposição, e cada época tem a sua especialidade. A receita de Abril é conhecida: - juntem-se num tacho (sem asas) dois partidos práticamente iguais, desloque-se o centro do tacho para a esquerda com os ingredientes do costume, seja em bloco, seja em povo unido, evitando assim que a direita levante cabeça, perdão, fervura. Para vigiar o tacho e o cozinhado recrute-se um chefe de cozinha num dos partidos do tacho.
Ponha-se tudo a marinar durante trinta anos!
Este prato é para ser servido à população com molho rosa ou laranja dando a impressão que são dois cozinhados diferentes, mas não são.
E a gente vai nisto!

quarta-feira, abril 16, 2008

Porquê agora?!

Se um litro de leite em Portugal custa o mesmo que um litro de leite nos países da União que têm salários mínimos que são o dobro ou o triplo do nosso (e já não falo nas reformas de miséria), então não é caso para estarmos preocupados!
Se a educação em Portugal produz os resultados que conhecemos, e não será por falta de professores ou de meios, e se a justiça prescreve, enquanto juizes e procuradores se entretêm a visionar vídeos de futebol!... Então não devemos ficar preocupados!
Se a saúde é cara, como as mais caras, e igual às piores, não será urgente ficar preocupado!
E que dizer dos políticos que transitam do estado para as empresas agradecidas! E a permanente guerrilha entre governos regionais e centrais! Onde falta um árbitro isento que assegure a confiança e a harmonia.
E a apregoada coesão nacional todos os dias posta em causa com centenas de trabalhadores portugueses a passarem a fronteira para irem trabalhar em Espanha! Incapazes que somos de solucionar a desertificação do interior do país!
Tudo concorre para a preocupação geral, e por isso, porque não se vislumbra futuro, algumas 'irmandades' começam a movimentar-se, especialmente aquelas que habitam no aparelho de estado há mais de um século, e têm, assim, as maiores responsabilidades no descalabro.
A mim interessam-me as causas, mas o preço do leite é uma consequência.

quinta-feira, abril 10, 2008

Os fins e os princípios

Está a findar uma era, um ciclo histórico, todos os sinais o confirmam, e esse estertor sente-se aqui, na ‘ocidental praia lusitana’, como se sente no mundo inteiro. Talvez que na orla atlântica, por estar mais exposta às correntes oceânicas, esse desmoronar das ideias invencíveis surja com mais intensidade que noutras latitudes. O facto é que era impensável assistir na televisão pública ao anúncio de uma ‘abertura’ (foi a expressão utilizada) entre a Igreja Católica e a Maçonaria, incluindo nessa ‘abertura’ o Grande Oriente Lusitano!
Tal como aconteceu, aquando do recente debate sobre monarquia e república, também estou à vontade para me pronunciar sobre este novo cenário, não preciso de me reciclar ou justificar apressadamente, vantagem de ter adivinhado e proposto esta ‘ultrapassagem’, mas vantagem sobretudo por me rever na tradição da Lusitana Antiga Liberdade, e como tal, nunca ter poupado críticas à Maçonaria e à sua acção traiçoeira e nefasta para Portugal e para os portugueses. Pode dizer-se que é ela a grande responsável pela situação de decadência permanente em que vivemos, nunca abrindo mão da chamada ‘educação pública’ (que manteve no tempo de Salazar!) fórmula ideal para embrutecer gerações e gerações de estudantes com propaganda anti-católica e anti-monárquica. Compreendemos agora melhor o ‘estudante telemóvel’, ateu, ignorante e malcriado, como também compreendemos os ‘professores’ que desfilam e insultam a hierarquia, um esplêndido exemplo para a pequenada! Esta questão do ensino será por certo um dos pontos de clivagem (e a discutir), tal como sugeriu Dom Carlos Azevedo, porta-voz da Conferência Episcopal, que não evitou criticar também a Igreja Católica pelo seu silêncio (e cumplicidade) durante a segunda república.
Portanto, é bom que as coisas fiquem claras, se agora, face à derrocada eminente do regime, chegou o momento da Maçonaria pensar primeiro na Pátria do que nos seus interesses ocultos, pois então que haja abertura.
Assim a hierarquia Católica saiba estar à altura deste compromisso histórico.

terça-feira, abril 08, 2008

Lavandaria nacional

Começo com uma adivinha – qual é coisa qual é ela que usa detergente verde rubro, cheira a papel de jornal e limpa a seco qualquer nódoa que possa sujar o bom nome dos clubes da segunda circular?! Não faz mal se não adivinharam. Vem isto a propósito da notícia do jornal Record, notícia de primeira página, em toda a sua largura, e com letras garrafais: “Rui Costa inocente”! E eu perguntei aos meus botões – mas inocente de quê?! Sabemos que alguns dirigentes do Benfica digeriram mal o empate no Bessa; sabemos também que houve desaguizados no túnel que dá acesso aos balneários; e a própria televisão deu conta que um dos mais inconformados era precisamente Rui Costa; portanto, nada mais natural que o capitão benfiquista estivesse envolvido nos acontecimentos cuja gravidade não sabemos qual é, a não ser que o sucedido venha a constar de algum relatório oficial. Até aqui tudo normal.
O que não é normal é esta preocupação doentia de retirar logo do centro das responsabilidades o nome de Rui Costa, como se pertencesse a uma casta (ou a um conjunto de interesses) acima de qualquer suspeita! Mal ‘acomparado’ faz-me lembrar a impossibilidade que parece existir no nosso país que os deputados, pelo facto de serem deputados, ou ministros, não possam ser acusados de pedofilia ou suspeitos de algum crime! Triste terra, inferior e subserviente, incapaz de fazer justiça com igual peso e medida, quer se trate de gente vulgar ou de alguém com poder.
Rui Costa é provávelmente o menos culpado nesta história, história onde nem sequer existem ainda culpados ou inocentes.

segunda-feira, abril 07, 2008

Aconteceu há dez anos!

Quando a carrinha branca parou na berma da estrada, como nos velhos filmes de aventuras, eu já sabia que o meu destino podia mudar naquele momento. Drogados, era tudo o que me esperava no fim da curta viagem, um mundo desconhecido, gente de outro planeta, em recuperação neste planeta, prisioneiros voluntários que não conseguiam tomar conta de si! Sou de outro tempo, do tempo das tabernas, dos pecados individuais e intransmissíveis, sem necessidade de bengalas e adjectivos, aquela lepra fazia-me confusão! Mas na altura, desempregado e desocupado, decidi aceitar o que me ofereciam, a estranha tarefa de acompanhar e vigiar, em horário nocturno, o andamento de uma comunidade terapêutica, tal era o nome destes armazéns de jovens dependentes, por certo inimagináveis pelos nossos bisavós!
Não era portanto um missionário que ali entrava, mas alguém que também precisava de virar uma página pouco propícia da sua vida, um espírito neutro, na expectativa, mas que mantinha um indiscutível ar de superioridade!
Porém, como na fábula, os vencidos acabam por assimilar os vencedores quando estes não têm tanta razão como julgam, e assim, comecei a descobrir com alguma surpresa que aquele local envenenado era afinal um bálsamo para a minha alma subitamente renascida! E maior surpresa ainda quando dei comigo a admirar a coragem daqueles resíduos humanos, erguendo-se para saírem do poço escuro em que tinham caído! Perguntava-me então, se comparado com eles, os meus parcos esforços para aperfeiçoar a minha vida valeriam de alguma coisa! E a resposta nunca era lisonjeira.
É apenas uma data, mas gostava de a assinalar no interregno porque é de interregno que se trata – cumpriram-se dez anos que levo nesta cruzada! E já não me arrependo de ter entrado naquele final de dia, naquela carrinha branca.

sexta-feira, abril 04, 2008

No banco dos réus

Parece que sim, é verdade, parece que conseguimos finalmente sentar um homem do regime, um tubarão (neste caso dragão) no banco dos réus! Estou talvez a subestimar a personagem, mais do que um homem do regime, trata-se de um homem do norte, um regionalista confesso, alguém que emergiu com a revolução dos cravos, alterando, não esqueçamos, a relação de forças entre o norte e o sul, naquilo que o país tem de mais relevante e vital – o futebol!
Até há pouco tempo isto era impensável, nem o governo permitiria tal desaforo, a própria assembleia votaria uma moção qualquer, evitando a diligência. O presidente, interpretando o sentir da nação, vetava. Como prova bastante do que afirmo, junto ao processo uma boa fotografia da final de Sevilha onde a nata do regime, a fina-flor dos políticos e da política, ladeando o agora réu, assistiu contente e feliz, a uma magnífica jogatana que acrescentou mais um castelo aos castelos da pátria! Portanto, estou de rastos, perplexo, e ao mesmo tempo contente, porque a justiça funciona e é de facto cega na verdadeira acepção da palavra. A seguir imagino o pior e o pior só pode acontecer na Madeira, quem sabe uma escuta telefónica surpreendendo uma tentativa de favorecimento de um clube local, que arrastasse consigo o governo regional e o seu bem amado líder! Afasto esta ideia e acalmo-me, isto ainda não aconteceu, voltemos pois à vaca fria porque a redenção aproxima-se.
Porém, nem tudo são rosas, relativamente dessincronizada com a justiça está a nossa federação de futebol, sempre distraída com a selecção, único e último elo comunitário, e nestas condições a tutela, ou seja o governo, também pode continuar mal na fotografia.
Termino com um assunto menor: os jornais noticiam que de acordo com dados fidedignos, nos últimos dez anos em Portugal, o fosso entre ricos e pobres duplicou. Um record na zona euro.
Hoje, sobre justiça, é tudo.

quarta-feira, abril 02, 2008

Soneto

“Auto-retrato”

Poeta é certo mas de cetineta
Fulgurante de mais para alguns olhos
Bom artesão na arte da proveta
Narciso de lombardas e repolhos

Cozido à portuguesa mais as carnes
Suculentas da auto-importância
Com toicinho e talento ambas partes
Do meu caldo entornado na infância

Nos olhos uma folha de hortelã
Que é verde como a esperança que amanhã
Amanheça de vez a desventura

Poeta de combate disparate
Palavrão de machão no escaparate
Porém morrendo aos poucos de ternura.


José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, abril 01, 2008

“O Acordo Ortográfico”

“ Não conheço ainda, em pormenor, as regras do novo acordo ortográfico.
Como o Governo Português pediu uma moratória de 6 anos, tenho tempo para o estudar. Contudo, por muito que, eventualmente, venha a concordar com as normas concretas, há dois aspectos de princípio (por isso anteriores às normas) com que não posso concordar.

O primeiro é que, sendo nós os autores da língua, não temos nada que a acertar com outros povos a quem ensinámos primeiro e depois a adoptaram como sua. Têm eles todo o direito de a adaptarem às suas necessidades, usos e costumes e, de acordo com isso, a fazerem evoluir como evoluem todas as línguas vivas. Mas sem pretenderem que nós falemos o português como eles falam. E sem pretendermos nós que eles o falem como o português europeu.
A preocupação de afinarmos todos pelo mesmo diapasão parece-me uma atitude de subserviência perante o número de falantes e um complexo de culpa do antigo colonizador. Hoje somos todos independentes. Eles de nós e nós deles.
Não consigo imaginar a Espanha a fazer um acordo ortográfico com Cuba, a Guatemala, o Chile, o Equador ou qualquer das suas antigas colónias. Nem a pretender que lá se fale ou escreva como em Castela.
E muito menos imagino o Reino Unido a fazer acordos desse género com os Estados Unidos. Nem sequer com a Austrália ou o Canadá que ainda fazem parte da Coroa Britânica.
Porque são grandes e fortes, a Espanha, a França e a Inglaterra tratam de igual para igual, e não de cócoras, os povos a quem transmitiram a sua língua.

O segundo é que se trata do problema específico da ortografia.
O argumento mil vezes repetido de que a língua é uma realidade viva e dinâmica porque são os falantes que fazem a língua, é o protótipo do argumento pseudo-culto e, por isso, pretensioso. Porque, sendo verdadeiro, nada tem a ver com o caso vertente.
É certo que são os falantes que fazem a língua: da maneira como a falam e não como a escrevem.
Essa realidade dinâmica e viva (que não nego, antes afirmo) tem a ver com a fonética e com a sintaxe. Nunca com a ortografia.
A única maneira de respeitar a liberdade cultural com vários povos lusófonos é deixá-los falar e deixá-los escrever cada um à sua maneira: europeia, africana ou brasileira. O que, de resto, só enriquece a língua lusíada.
Por isso os acordos, além de complexados, são castradores.”

Lido no jornal católico “A Ordem”, de 27 de Março de 2008, e da autoria de M. Moura-Pacheco.