“É discutível se houve anti-clericalismo propriamente dito em Portugal antes de 1820. As questões entre os Reis e a Igreja (que muitas foram de D. Afonso Henriques a D. João V) eram mais disputas de privilégios e jurisdições do que posições ideológicas; era mais, por assim dizer, o direito civil contra o direito canónico e vice-versa do que uma disputa entre materialismo e idealismo.
Com a Revolução de 1820 o anti-clericalismo assume-se e define-se como tal. As Cortes Constituintes de 1822, aboliram os privilégios do clero e pouco depois, Joaquim António de Aguiar dá o segundo grande passo: a abolição das ordens religiosas, com o confisco imediato dos bens das ordens masculinas (1854) e tomando o Estado posse dos bens das ordens femininas depois da morte da última religiosa de casa. Estes factos, conjuntamente com a recusa da Santa Sé de confirmar os bispos eleitos, levaram ao rompimento das relações diplomáticas só restabelecidas em 1848.
Com a instauração do regime republicano, dá-se novo rompimento quando a República confisca todos os bens diocesanos e proíbe o uso, em público, dos “hábitos talares” e Afonso Costa promete acabar em Portugal com a religião “em duas gerações”. Deu-se depois uma reaproximação entre o Estado Português e a Igreja que só viria a completar-se e a formalizar-se com a “Concordata” em 1940.
Falo de posições oficiais. Porque o anti-clericalismo como posição pessoal permaneceu em muitos espíritos intolerantes – curiosa e paradoxalmente sobretudo entre aqueles que reivindicavam o direito à livre expressão de pensamento (Para si próprios – que não para os outros).
A revolução de 25 de Abril de 1974 teve o cuidado de ter em conta as lições do anti-clericalismo da 1ª República e absteve-se de posições anti-Igreja (se exceptuarmos casos pontuais, aliás da iniciativa pessoal de alguns revolucionários). Salgado Zenha usou mesmo uma expressão curiosa dizendo que “não se ia tirar o anti-clericalismo da naftalina” (cito de memória) e Vasco Gonçalves teve sempre o cuidado não só de não atacar a Igreja como instituição como também de pretender atrair a si alguns grupos católicos, como de resto, já vinha fazendo o Partido Comunista.
Isto é: sinceramente ou com segundas intenções, de uma maneira geral, os responsáveis do 25 de Abril tinham outras prioridades.
Trinta anos depois, consolidada a Democracia, o anti-clericalismo está de regresso em pezinhos de lã. A pretexto de manter a Democracia, de garantir a igualdade, de salvaguardar a liberdade, sem se assumir como o que é, mas, pelo contrário e paradoxalmente, em nome da liberdade religiosa, vai abolindo os símbolos da fé de muitos portugueses e preparando o caminho para proibir que – cristãos ou não – usem distintivos da sua crença.
Fé, crença, religião – só em casa. Em público os cidadãos da Democracia portuguesa não podem usar sinais que os identifiquem como crentes.
Isto é: o anti-clericalismo português é uma manifestação de fundamentalismo laicista tão primário e anti-democrático como qualquer outro.”
Lido no semanário católico “ A Ordem” de 6 de Março de 2008, e da autoria de M. Moura-Pacheco.
Com a Revolução de 1820 o anti-clericalismo assume-se e define-se como tal. As Cortes Constituintes de 1822, aboliram os privilégios do clero e pouco depois, Joaquim António de Aguiar dá o segundo grande passo: a abolição das ordens religiosas, com o confisco imediato dos bens das ordens masculinas (1854) e tomando o Estado posse dos bens das ordens femininas depois da morte da última religiosa de casa. Estes factos, conjuntamente com a recusa da Santa Sé de confirmar os bispos eleitos, levaram ao rompimento das relações diplomáticas só restabelecidas em 1848.
Com a instauração do regime republicano, dá-se novo rompimento quando a República confisca todos os bens diocesanos e proíbe o uso, em público, dos “hábitos talares” e Afonso Costa promete acabar em Portugal com a religião “em duas gerações”. Deu-se depois uma reaproximação entre o Estado Português e a Igreja que só viria a completar-se e a formalizar-se com a “Concordata” em 1940.
Falo de posições oficiais. Porque o anti-clericalismo como posição pessoal permaneceu em muitos espíritos intolerantes – curiosa e paradoxalmente sobretudo entre aqueles que reivindicavam o direito à livre expressão de pensamento (Para si próprios – que não para os outros).
A revolução de 25 de Abril de 1974 teve o cuidado de ter em conta as lições do anti-clericalismo da 1ª República e absteve-se de posições anti-Igreja (se exceptuarmos casos pontuais, aliás da iniciativa pessoal de alguns revolucionários). Salgado Zenha usou mesmo uma expressão curiosa dizendo que “não se ia tirar o anti-clericalismo da naftalina” (cito de memória) e Vasco Gonçalves teve sempre o cuidado não só de não atacar a Igreja como instituição como também de pretender atrair a si alguns grupos católicos, como de resto, já vinha fazendo o Partido Comunista.
Isto é: sinceramente ou com segundas intenções, de uma maneira geral, os responsáveis do 25 de Abril tinham outras prioridades.
Trinta anos depois, consolidada a Democracia, o anti-clericalismo está de regresso em pezinhos de lã. A pretexto de manter a Democracia, de garantir a igualdade, de salvaguardar a liberdade, sem se assumir como o que é, mas, pelo contrário e paradoxalmente, em nome da liberdade religiosa, vai abolindo os símbolos da fé de muitos portugueses e preparando o caminho para proibir que – cristãos ou não – usem distintivos da sua crença.
Fé, crença, religião – só em casa. Em público os cidadãos da Democracia portuguesa não podem usar sinais que os identifiquem como crentes.
Isto é: o anti-clericalismo português é uma manifestação de fundamentalismo laicista tão primário e anti-democrático como qualquer outro.”
Lido no semanário católico “ A Ordem” de 6 de Março de 2008, e da autoria de M. Moura-Pacheco.
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