“ Não conheço ainda, em pormenor, as regras do novo acordo ortográfico.
Como o Governo Português pediu uma moratória de 6 anos, tenho tempo para o estudar. Contudo, por muito que, eventualmente, venha a concordar com as normas concretas, há dois aspectos de princípio (por isso anteriores às normas) com que não posso concordar.
O primeiro é que, sendo nós os autores da língua, não temos nada que a acertar com outros povos a quem ensinámos primeiro e depois a adoptaram como sua. Têm eles todo o direito de a adaptarem às suas necessidades, usos e costumes e, de acordo com isso, a fazerem evoluir como evoluem todas as línguas vivas. Mas sem pretenderem que nós falemos o português como eles falam. E sem pretendermos nós que eles o falem como o português europeu.
A preocupação de afinarmos todos pelo mesmo diapasão parece-me uma atitude de subserviência perante o número de falantes e um complexo de culpa do antigo colonizador. Hoje somos todos independentes. Eles de nós e nós deles.
Não consigo imaginar a Espanha a fazer um acordo ortográfico com Cuba, a Guatemala, o Chile, o Equador ou qualquer das suas antigas colónias. Nem a pretender que lá se fale ou escreva como em Castela.
E muito menos imagino o Reino Unido a fazer acordos desse género com os Estados Unidos. Nem sequer com a Austrália ou o Canadá que ainda fazem parte da Coroa Britânica.
Porque são grandes e fortes, a Espanha, a França e a Inglaterra tratam de igual para igual, e não de cócoras, os povos a quem transmitiram a sua língua.
O segundo é que se trata do problema específico da ortografia.
O argumento mil vezes repetido de que a língua é uma realidade viva e dinâmica porque são os falantes que fazem a língua, é o protótipo do argumento pseudo-culto e, por isso, pretensioso. Porque, sendo verdadeiro, nada tem a ver com o caso vertente.
É certo que são os falantes que fazem a língua: da maneira como a falam e não como a escrevem.
Essa realidade dinâmica e viva (que não nego, antes afirmo) tem a ver com a fonética e com a sintaxe. Nunca com a ortografia.
A única maneira de respeitar a liberdade cultural com vários povos lusófonos é deixá-los falar e deixá-los escrever cada um à sua maneira: europeia, africana ou brasileira. O que, de resto, só enriquece a língua lusíada.
Por isso os acordos, além de complexados, são castradores.”
Lido no jornal católico “A Ordem”, de 27 de Março de 2008, e da autoria de M. Moura-Pacheco.
Como o Governo Português pediu uma moratória de 6 anos, tenho tempo para o estudar. Contudo, por muito que, eventualmente, venha a concordar com as normas concretas, há dois aspectos de princípio (por isso anteriores às normas) com que não posso concordar.
O primeiro é que, sendo nós os autores da língua, não temos nada que a acertar com outros povos a quem ensinámos primeiro e depois a adoptaram como sua. Têm eles todo o direito de a adaptarem às suas necessidades, usos e costumes e, de acordo com isso, a fazerem evoluir como evoluem todas as línguas vivas. Mas sem pretenderem que nós falemos o português como eles falam. E sem pretendermos nós que eles o falem como o português europeu.
A preocupação de afinarmos todos pelo mesmo diapasão parece-me uma atitude de subserviência perante o número de falantes e um complexo de culpa do antigo colonizador. Hoje somos todos independentes. Eles de nós e nós deles.
Não consigo imaginar a Espanha a fazer um acordo ortográfico com Cuba, a Guatemala, o Chile, o Equador ou qualquer das suas antigas colónias. Nem a pretender que lá se fale ou escreva como em Castela.
E muito menos imagino o Reino Unido a fazer acordos desse género com os Estados Unidos. Nem sequer com a Austrália ou o Canadá que ainda fazem parte da Coroa Britânica.
Porque são grandes e fortes, a Espanha, a França e a Inglaterra tratam de igual para igual, e não de cócoras, os povos a quem transmitiram a sua língua.
O segundo é que se trata do problema específico da ortografia.
O argumento mil vezes repetido de que a língua é uma realidade viva e dinâmica porque são os falantes que fazem a língua, é o protótipo do argumento pseudo-culto e, por isso, pretensioso. Porque, sendo verdadeiro, nada tem a ver com o caso vertente.
É certo que são os falantes que fazem a língua: da maneira como a falam e não como a escrevem.
Essa realidade dinâmica e viva (que não nego, antes afirmo) tem a ver com a fonética e com a sintaxe. Nunca com a ortografia.
A única maneira de respeitar a liberdade cultural com vários povos lusófonos é deixá-los falar e deixá-los escrever cada um à sua maneira: europeia, africana ou brasileira. O que, de resto, só enriquece a língua lusíada.
Por isso os acordos, além de complexados, são castradores.”
Lido no jornal católico “A Ordem”, de 27 de Março de 2008, e da autoria de M. Moura-Pacheco.
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