A
Lucinda? - perguntou o Pedro, coberto de suor, lívido, a acabar de
sair de uma modorra de morte.
- Está boa... respondeu a mãe, com a naturalidade que pôde.
- E porque não vem cá?
- Isto pega-se, filho. Ela bem queria; eu é que não consinto...Uma onda de tristeza, que lhe embaciou a imagem da namorada, atravessou os olhos febris do rapaz. Depois, exausto do esforço de vir à tona do poço, desceu as pálpebras e caiu na sonolência em que vivia há dias.No princípio da epidemia, de ouvido atento, ia vigiando o mundo através do dobrar do sino. O som a entrar no quarto abafado e ele a inquirir, inquieto:
- Quem foi, minha mãe?
- O Belmiro.
- O pai ou o filho?
- O pai.
Cuidadosa,
a Felisberta varria implacávelmente todos os espinhos que pudessem
magoar as justas esperanças da mocidade. (…) E docemente ia
matando os velhos e as velhas da freguesia, para deixar ao doente,
intactas, as fontes da alegria.
- E hoje? - Queria ele saber de novo, sôfrego de uma palavra que fosse a garantia da imunidade dos seus vinte anos.
- O Pinto.
A
única distinção que o sino fazia era entre homens e mulheres. E
bastava à Felisberta ter debaixo da língua um nome de sessenta
invernos, capaz de justificar as três ou as cinco badaladas, para
aquietar aquele atento desassossego.
O
mal, porém, alastrou de tal modo que se tornou impossível tocar a
todos os defuntos. Além disso, o sinal fatídico acabara por ser um
aviso a cada moribundo. E o prior, rogado e convencido, mandou calar
o bronze.
(...)
'Renovo' - (excerto)
Miguel
Torga
Nota: Esta transcrição foi um pretexto para lembrar a ´pneumónica', epidemia que há cerca de cem anos flagelou o país. E também revisitar os belos contos de Torga.
https://www.youtube.com/watch?v=yJAOZ4bPGMA
Nota: Esta transcrição foi um pretexto para lembrar a ´pneumónica', epidemia que há cerca de cem anos flagelou o país. E também revisitar os belos contos de Torga.
https://www.youtube.com/watch?v=yJAOZ4bPGMA
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