Que diferença... para o carácter do Rei cobardemente assassinado!
quarta-feira, janeiro 30, 2008
Terroristas e terrorismo
Que diferença... para o carácter do Rei cobardemente assassinado!
segunda-feira, janeiro 28, 2008
Alucinações
Por isso, não sei se me apetece ser comandado por um triunvirato, que inevitavelmente se há-de zangar, e desfazer, quando já não for possível esconder ou conciliar as contradições entre os vários interesses em presença. A história há-de repetir-se enquanto o homem que conhecemos sobre a Terra, não corresponder às várias utopias dominantes. Portanto, convinha aprender alguma coisa com o passado, com os erros e virtudes desse mesmo passado.
E assim, não sei me apetece estar sistematicamente a pedir desculpas pelos eventuais erros cometidos, sem valorizar ao mesmo tempo as reais virtudes conhecidas. E porque nestas virtudes se encontra a virtude do regime monárquico, não sei se me apetece, ou se faz algum sentido, comemorar o centenário do regime republicano, que notoriamente nos dividiu e divide, sem acrescentar nada, mas diminuindo tudo, território, população, riquezas e ambição!
Ou será alucinação?!
quinta-feira, janeiro 24, 2008
“Ratzinger, eu e o discurso do Papa”
Todos podem emitir uma opinião sobre o que aconteceu recentemente na universidade «La Sapienza», mas nem todos têm, como eu, uma história pessoal para contar, relacionada com o assunto.
Um dia, um articulista do «Diário de Notícias», que publicava regularmente longos textos sobre a clarividência intelectual da doutrina marxista, resolveu comentar uma conferência do Cardeal Ratzinger. Essa conferência, sobre o caso Galileu, merecia-lhe a condenação mais veemente, pois o cardeal defendia o desprezo pela verdade e louvava a mentira propositada. O longo texto do «Diário de Notícias» (2 de Junho de 1990, página 7) não deixava pedra sobre pedra. E, ainda mais arrasadoras que as críticas severas que se faziam ao conferencista, eram as citações da própria conferência. Por exemplo, segundo relatava o artigo do «Diário de Notícias», o cardeal teria defendido que «é legítima a recusa de resultados científicos válidos (da verdade científica) quando eles contradisserem a centralidade histórico-social de normas, crenças ou valores legados pela tradição».
A julgar pelo artigo do «Diário de Notícias», o Cardeal Ratzinger pensava como um fanático sem escrúpulos. Eu tinha lido textos dele, extraordinários, de uma abertura intelectual notável, de uma rectidão tão grande, tão respeitosos para com todos e tão empenhados na verdade... Como é que aquela erupção de desfaçatez primária se podia explicar? Fiquei com vontade de ler a conferência.
Infelizmente, os extractos da conferência eram citados de uma revista italiana, «Il Sabato» (de 31 de Março de 1990), que eu não conhecia de parte nenhuma. Na época não existia ainda o «Google», nem algumas facilidades de comunicação a que já nos habituámos, pelo que foi muito difícil localizar a revista. Finalmente, encontrei uma referência indirecta num jornal espanhol e, através do jornalista espanhol, consegui chegar à fonte e obter o texto da conferência.
O choque não podia ter sido maior, quando a revista me chegou às mãos. Nenhuma das citações, colocadas entre aspas no artigo do «Diário de Notícias», pertencia ao texto. Nalgum caso, a frase estava quase lá, mas antecedida da palavra «não», que fora omitida na transcrição. Em geral, não se conseguia encontrar relação entre a posição atribuída a Ratzinger e o texto da conferência: a invenção chegava a 100%.
Além disso, nem sequer o tema da conferência era o caso Galileu, mas a relação entre a Razão e a Fé. A primeira parte da conferência era sobre a queda do marxismo soviético e a segunda parte (que foi a publicada pela «Il Sabato», com o título geral de «o sincretismo religioso») era uma defesa da razão e da religião fundada na verdade. Ratzinger alertava para o perigo de aproximações à religião que fossem fruto do desencanto relativamente a outras doutrinas, ou do sentimentalismo. A propósito, comentava a ambivalência de autores distanciados da Igreja, como Feyerabend e outros, que, em vez de aproveitarem o processo Galileu para atacar a Igreja, se mostravam compreensivos com o que aconteceu e, nalguns casos, chegavam a considerar positiva a condenação. O fim da crispação de certos intelectuais contra a Igreja era positivo, mas aquilo não era uma base saudável para fundar a relação com Deus, a qual só podia estar ancorada na verdade. E é sobre a importância da verdade que Ratzinger falou, ao longo de toda a segunda parte da conferência.
Entrei em contacto com o Director do «Diário de Notícias», para lhe dar conta destes factos, mas o secretariado da Direcção frustrava as sucessivas tentativas (talvez o Director tivesse dado indicações nesse sentido...). Por fim, contactei um jornalista por quem tenho admiração, Pacheco de Andrade, e pedi-lhe que promovesse o encontro. Graças à sua intervenção, pude apresentar ao Director (a 7 de Setembro de 1990) a revista onde fora publicada a conferência e a respectiva tradução para português. A meu ver, o jornal tinha a obrigação moral de esclarecer os leitores e, já agora, devia publicar o texto verdadeiro da conferência, que era bem interessante.
O Director explicou-me que os jornais vivem da espuma do momento, que factos passados já não lhes interessam. Portanto, não iam desmentir a notícia e, muito menos, publicar a conferência, que era ainda mais antiga que a notícia (três meses e meio mais antiga). Não me ocorreu perguntar-lhe até onde ia o interesse de um jornal pelo passado: dias? Semanas? Ao fim de quantos meses, um assunto destes se considera história remota?
O Director do «Diário de Notícias» não aceitou publicar o desmentido, nem a conferência, mas propôs que eu escrevesse um artigo sobre o assunto. Enviei-lho prontamente. Insisti para que o publicassem. Finalmente, explicaram-me que o artigo era demasiado extenso e não poderia exceder um pequeno número de linhas. Reformulei-o e enviei um novo texto. Enviei segunda via. Fui ao jornal entregar pessoalmente o artigo resumido, para ter a certeza de que não se perdia nos correios. Nunca mais consegui acesso àquele Director, nem o artigo foi publicado.
Lembrei-me desta história quando li que a mesma conferência do Cardeal Ratzinger, e a mesma frase de Feyerabend, retocada e tirada do contexto, era invocada em Itália, quase 20 anos depois.
Talvez tenha havido uma fonte comum, uma notícia falsa nunca desmentida, na origem do artigo do «Diário de Notícias» e na declaração do pequeno grupo da «La Sapienza». As pessoas que citam em segunda mão, sem comprovar na fonte, arriscam-se a fazer figuras tristes. Talvez tenha sido esse o caso.
José Maria C. S. André
Lisboa, 21 de Janeiro de 2008
(Ver abaixo – Conferência do Cardeal Ratzinger de 15 de Março de 1990).
CONFERÊNCIA DO CARDEAL RATZINGER, de 15.MARÇO.1990
Os caminhos da Fé no actual momento de
viragem
Segunda parte da conferência pronunciada pelo Cardeal Joseph Ratzinger, então Perfeito da Congregação para da Doutrina da Fé, a 15 de Março de 1990, na cidade de Parma. O título original da conferência é Le vie della fede nell'attuale momento di svolta (os caminhos da fé no actual momento de viragem).
Esta versão em português foi traduzida do texto italiano publicado na revista Il Sabato, de 31 de Março de 1990, páginas 80-85. A revista reproduziu integralmente, com o título de L'omologazione religiosa (o sincretismo religioso), apenas esta segunda parte da conferência, porque interessava particularmente aos países ocidentais.
A primeira parte, não publicada pela Il Sabato, tratava da crise do marxismo, examinando três factores que conduziram ao colapso do comunismo soviético: a crise económica, o papel da religião e a actuação dos Meios de Comunicação Social.
IIª parte: O sincretismo religioso
As reflexões que fomos desenvolvendo até agora, tomaram como ponto de partida os recentes acontecimentos da Europa oriental, ainda que tenhamos procurado não perder de vista os nossos próprios problemas, os problemas do mundo ocidental e das suas ideologias.
Esta vertente da questão terá de ser aprofundada ainda um pouco mais numa segunda parte, antes de podermos extrair as conclusões que dizem respeito aos itinerários da Fé, hoje. A este propósito, quero abordar três aspectos: a crise da Fé na ciência, a nova ânsia de espiritualidade e de moral e a nova procura de religião.
A crise da fé na ciência
A resistência que a natureza oferece à sua manipulação pelo homem tornou-se nos últimos decénios um novo factor da situação cultural. A questão sobre os limites da ciência e sobre os critérios que ela deve respeitar levanta-se inevitavelmente. O modo como vem sendo avaliado o «caso Galileu» parece-me particularmente significativo do emergir deste posicionamento novo. Este acontecimento, que no século XVII ainda merecia pouca atenção, chegou a ser, no século seguinte, um verdadeiro mito do Iluminismo: Galileu aparece como a vítima do obscurantismo medieval, ainda vigente na Igreja. O bem e o mal enfrentam-se numa clara contraposição: dum lado, a Inquisição como agente da superstição, como adversária da liberdade e do saber. Do outro, a ciência da natureza, representada por Galileu, como protagonista do progresso e da libertação do homem das cadeias da ignorância que o mantinham atado perante a natureza. Surge a estrela da época moderna na noite tenebrosa da Idade Média.
Estranhamente um dos primeiros a opor-se abertamente a este mito e a oferecer uma nova interpretação dos factos foi Ernst Bloch, com o seu marxismo romântico. Para ele, tanto o sistema cosmológico heliocêntrico, como o geocêntrico fundam-se em pressupostos indemonstráveis. Nomeadamente, por conceberem um espaço fixo, noção que, entretanto, teria sido ultrapassada pela teoria da relatividade. Diz ele, textualmente: «portanto, com o abandono da ideia de um espaço vazio e parado, deixa de se definir o movimento em relação a ele, passa a haver apenas movimento relativo dos corpos uns em relação aos outros, e a eventual fixidez de um objecto dependerá dos corpos que se escolherem como pontos de referência: deste modo, para além da complexidade dos cálculos que possa advir daí, não é, de facto, inverosímil aceitar, tal como se fazia no passado, que a Terra esteja parada e que seja o Sol a mover-se».
A vantagem do sistema heliocêntrico sobre o sistema geocêntrico consistiria assim não numa maior correspondência com a realidade objectiva, mas apenas em nos proporcionar uns cálculos mais fáceis. Até aqui, Bloch exprime só uma concepção moderna das ciências naturais. É todavia surpreendente a conclusão que ele tira: «A partir do momento em que relatividade do movimento está fora de dúvida, um sistema de referência humano e cristão antigo não tem nenhum direito de se imiscuir nos cálculos astronómicos e na sua simplificação heliocêntrica, mas tem o seu pleno direito metodológico, em face das implicações de importância humana, de manter esta Terra fixa no centro e de ordenar o mundo à volta daquilo que acontece e aconteceu nela».
Se aqui ainda estão claramente distinguidos dois âmbitos metodológicos, reconhecendo tanto os seus respectivos direitos como os seus limites, soa já muito mais provocadora a síntese do filósofo céptico-agnóstico P. Feyerabend: «No tempo de Galileu a Igreja manteve-se muito mais fiel à razão que o próprio Galileu, e tomou em consideração também as consequências éticas e sociais da doutrina de Galileu. O seu processo contra Galileu era razoável e justo, ao passo que a sua actual revisão só se pode justificar com motivos de oportunidade política».
Do ponto de vista prático, os dois naturalistas e filósofos, C. F. von Weizaecker e G. Altner, dão mais outro passo adiante quando vêem uma «via directíssima» que conduz de Galileu à bomba atómica. Para grande surpresa minha, numa recente entrevista sobre o caso de Galileu, não foi posta uma questão do tipo: «Como é que a Igreja se atreveu a levantar obstáculos ao conhecimento das ciências naturais?», mas exactamente o contrário: «Porque é que não tomou uma posição mais dura contra as desgraças que ficaram à solta quando Galileu abriu a caixa de Pandora?».
Seria ingénuo construir uma apologética improvisada, com base nestas afirmações; a fé não cresce a partir do ressentimento e de se pôr em questão a racionalidade, mas só cresce com um profundo apreço pela razão e com uma mais ampla compreensão intelectual; mas a este ponto voltaremos mais adiante.
Mencionei tudo isto só como um exemplo sintomático, que manifesta como é profunda hoje a problematização que a modernidade, a ciência e a técnica fazem de si mesmas.
A busca de espiritualidade e de moral
Consideremos agora um outro aspecto: a nova ânsia de moral e de «espiritualidade». Tal como não é possível fazer um juízo conclusivamente positivo ou negativo desta forma de pôr em questão a ciência e a modernidade que hoje está a ficar em voga; também não se pode apresentar a nova abertura à dimensão espiritual do mundo e da vida humana como fenómeno unívoco. Há aqui fenómenos seguramente positivos: no auge da modernidade, a dimensão moral era relegada para a subjectividade e o progresso técnico era visto como um valor em si mesmo, não discutível; ora nestes mesmos domínios a questão ética volta a colocar-se, como critério de acção. Apontar normas morais como limite para a pesquisa e para a produção já não é rotulado de obscurantismo, como acontecia antes, uma vez que, primeiro a bomba atómica e depois as formas biologicamente destrutivas de produção técnica, mostraram, de modo bem palpável, a outra face do progresso.
Indubitavelmente, os reflexos práticos desta tomada de consciência ainda se fazem sentir pouco, como se vê pela controvérsia relativa à manipulação genética e sobre a fecundação humana in vitro. Ora, tal como no passado, as pessoas continuam a não se questionar sobre a possibilidade de abusar da vida humana – vida de pessoas, ainda que não tenham nascido – para as «finalidades mais elevadas» da investigação ou para qualquer outro objectivo que se tenha por bom. O abuso contra o homem, tratado como um objecto, e o brincar com o mistério divino da sua natureza ainda hoje se verificam, tal como no passado. Apesar disso, constata-se agora uma resistência nova a tudo isto, precisamente no âmbito das ciências naturais.
A nova religiosidade
A descoberta da dimensão religiosa tem igualmente muitas facetas. Assim como entre as personalidades eminentes da moderna ciência da natureza se nota agora uma clara orientação para o problema ético e uma recusa da auto-suficiência do positivismo, também existe hoje entre a gente nova uma reacção que a leva a colocar-se, com renovada paixão, a pergunta sobre Deus e a estar disposta a deixar que a sua vida toda, até às raízes, seja impregnada por Ele.
A generosidade dos jovens tem crescido; já não se satisfazem com vagos sentimentos e com meias decisões, mas procuram a obediência incondicional à verdade: a par disto verifica-se uma tendência, aliás bastante difundida e mais vaga, que se poderia definir como a ânsia de uma certa espiritualidade e de experiências religiosas.
Seria errado desprezar este fenómeno, da mesma forma que seria inadequado entrever nele o início de uma nova aproximação à fé cristã. De facto, estes desejos resultam de uma desilusão pela insuficiência da sociedade tecnológica; isso esconde em si elementos nostálgicos e sobretudo um profundo cepticismo acerca da vocação do homem para a verdade. Na História humana a verdade parece desacreditada pela intolerância daqueles que se crêem os seus seguros detentores. Além disso, a experiência dos limites da ciência e da fragilidade das ideologias inclinam mais ao cepticismo que à coragem para a procura da verdade. Assim, a verdade acaba por ser facilmente substituída por «valores», em relação aos quais se pode tentar ao menos um consenso geral.
Contudo este modo de escolher os valores é igualmente discutível, na medida em que se considera que o próprio critério de verdade é inacessível. Mas, sobretudo, a religião que nasce do cepticismo e do desencanto pelos limites do conhecimento vem necessariamente marcada pelo domínio do irracional. Não compromete e acaba facilmente por se tornar uma droga. Formam-se novas mitologias, como resulta particularmente evidente no fenómeno multifacetado e candente que se vem difundindo com o nome genérico de «New Age». As analogias com a antiga gnose são notórias.
Tal como então, aqui se aglutinam mitologias esotéricas com a auto-proclamada pretensão de ter nas mãos a chave do saber e de ter encontrado a explicação plena da realidade, na qual os mistérios do todo são revelados e o conhecimento se torna libertação.
O Deus vivo desaparece numas profundidades espirituais, em que o homem mergulha e finalmente se dissolve, para se transformar assim numa só coisa com o todo de que provém. Cobra nova actualidade o aviso de Karl Barth, segundo o qual a religião se pode tornar uma auto-satisfação que, em vez de levar a Deus, encerra o homem em si mesmo e o fecha para Deus.
Os caminhos da Fé, hoje
Tomando no seu conjunto estes flashes da situação, conclui-se que o momento actual é rico de grandes esperanças, à mistura com inegáveis perigos. A situação de hoje, com todas as suas novas aberturas, reflecte a incoerência interior da natureza humana, que se abre sempre novamente para Deus e ao mesmo tempo Lhe procura fugir. Talvez neste momento as esperanças prevaleçam sobre os perigos, porque se derrubam tantas estruturas que pareciam opor-se com uma solidez inexpugnável à Fé, a qual demonstrou novamente a sua vitalidade. Mas não é esta a oportunidade de nos dedicarmos a ponderar, uns em relação aos outros, os vários factores em causa. Na última parte das nossas considerações preferimos colocar a seguinte questão: como é que se deve comportar um crente para responder aos sinais dos tempos e mostrar deste modo aos homens de hoje o caminho da libertação? Quero deixar três linhas de reflexão sobre este tema.
Acreditar é uma atitude razoável
A Fé não é uma espécie de resignação da inteligência, perante os limites do nosso conhecimento; não é uma cedência ao irracional, para escapar aos perigos de uma razão meramente instrumental. A Fé não é expressão de cansaço e de fuga, mas coragem de ser e movimento de abertura para a grandeza e amplidão da realidade. A Fé é um acto de afirmação; funda-se na força de um novo «sim», que se torna possível ao homem no contacto com Deus. Justamente nesta situação de ressentimento generalizado contra a racionalidade técnica, parece-me importante ressaltar a razoabilidade essencial da Fé. Segundo uma crítica da modernidade, já conhecida há tempos, não se lhe pode reprovar a confiança na razão enquanto tal, mas só o reducionismo do conceito de razão, que foi o que abriu as portas às ideologias irracionais. Todavia, o mistério, tal como o concebe a Fé, não é de facto o irracional, mas a extrema profundidade da razão divina, que nós não podemos penetrar em grau mais elevado pela debilidade dos nossos olhos. É, e permanece como afirmação fundamental da Fé a expressão com que João – retomando e aprofundando o relato da Criação do Antigo Testamento – inicia o seu Evangelho: no princípio era o Logos, a razão criadora, a força do conhecimento divino, que dá significado às coisas. Só a partir deste ponto se pode compreender correctamente o Mistério de Cristo, no qual a razão se mostra ao mesmo tempo como amor. A primeira palavra da Fé diz-se assim: tudo o que existe é, na sua origem, racional, porque provém da razão criadora de Deus.
Detenhamo-nos mais uma vez sobre a oposição fundamental entre materialismo e Fé. O credo do materialismo consiste em que no início está o irracional e que só as leis da casualidade deram origem, por combinações fortuitas, ao que é racional. A razão é, por isso, um subproduto do irracional; nas suas leis ela não é mais que um conjunto de combinações, sem conteúdo moral ou estético. Do mesmo modo, o Homem se torna um combinador do mundo, que ele projecta como lhe convém, segundo os critérios os estabelecidos por si. Contudo, o irracional permanece sempre como a verdadeira força originária.
Segundo a Fé, acontece exactamente o contrário: o Espírito é a origem criadora de todas as coisas e por isso todas elas levam em si o selo da racionalidade, que não me provém delas mesmas, e que as supera infinitamente, embora constitua a sua lei íntima. A razão criadora, que cria a racionalidade objectiva das coisas, a sua matemática escondida e a sua ordem íntima, é ao mesmo tempo razão moral, e esta é amor. O homem é chamado a reconhecer as pegadas desta razão e a desenvolver as coisas conforme à natureza delas. O seu senhorio é serviço e a liberdade é um vínculo à verdade íntima das coisas, e desta forma uma abertura de amor, que o torna semelhante a Deus.
A época moderna tem-se caracterizado por um curioso vaivém entre o racionalismo e a irracionalidade. Face a este conflito, parece-me importante delinear correctamente as posições alternativas. A disjuntiva fundamental, que o desenvolvimento da época moderna põe diante de nós, consiste precisamente na pergunta: na origem de todas as coisas está a irracionalidade? a falta de racionalidade será a verdadeira origem do mundo, ou este provém, pelo contrário, da Razão Criadora? Crer significa abraçar a segunda alternativa e, de facto, só essa é, no sentido mais profundo da palavra, «razoável» e digna do homem. Diante da crise da razão em que o mundo se encontra hoje, é preciso voltar a destacar esta característica essencial da Fé, que salva a razão, justamente quando a compreende em toda a sua amplidão e profundidade e a protege contra a restrição àquilo que se pode comprovar de modo experimental. O mistério, longe de ir contra a razão, salva e defende a racionalidade do ser e do homem.
Pensamento, vontade e sentimento
Voltemos agora ao próprio âmbito do conhecimento, do querer e do sentir. Com as reflexões desenvolvidas até aqui, já foi apontada uma decisão prévia fundamental. No contexto da ameaça radical colocada pelo Iluminismo à religião, Schleiermacher tentou salvá-la definindo-a como sentimento: «A sua essência não é pensamento nem moralidade, mas opinião e sentimento». «A praxis é arte, a especulação intelectual é ciência, a religião é sensibilidade e gosto pelo infinito». O século XIX seguiu em grande parte esta tendência e congeminou nesta base uma forma de reconciliar a religião e a ciência: a inteligência poderia dispor e mandar o que quisesse; e, por sua parte, a religião, que seria exclusivamente um sentimento, não interferiria com a razão e ficaria livre de se expressar na esfera do sentimento e teria aí o seu lugar. O perigo implícito numa paz interior deste tipo volta hoje a apresentar-se, embora não seja correcto chamar-lhe propriamente paz, porque é antes divisão do homem, que acaba por prejudicar tanto a razão como o sentimento.
Efectivamente, trata-se de uma rendição da inteligência, na medida em que ela só se considera válida no âmbito do funcional e não se considera capaz de conhecer a verdade do ser, a verdade sobre nós, sobre a Criação e sobre Deus. Este cepticismo, porém, domina largamente as concepções actuais. Como regra, as pessoas já não têm pretensões de conhecer a verdade no que é mais específico destas questões. Esta forma de falsa humildade degrada o homem; torna o nosso actuar cego e o nosso sentimento vazio. Até na Igreja Católica se aceita dificilmente que a Fé nos ponha diante dos olhos a verdade sobre Deus. Vai-se difundindo a impressão de que todas as religiões andam às apalpadelas no escuro e que as suas afirmações não são mais que símbolos de uma realidade fundamentalmente incognoscível. Desta forma, a religião torna-se novamente uma esfera de sentimentos mais elevados. Feitas equivalentes umas às outras, as religiões deveriam servir, pela força de arraste dos melhores sentimentos, para promover os ideais mais nobres da humanidade e ser instrumentos da construção da paz universal.
Ora, todos nós aspiramos a esta paz universal. Que o virar-se para Deus leve os homens a reconhecer-se como irmãos e irmãs e desse modo contribua para a paz, é um imperativo justificado. Mas uma religião que seja apenas um meio para atingir determinados programas não está a ser tomada a sério como religião, na medida em que só pode actuar no campo do sentimento. Em todos os erros há algumas verdades.
É verdade que a religião apela à paz; é verdade que o sentimento também é próprio da religião e que falham todas as reformas que a pretendem privar do húmus do sentimento. Contudo, todas estas verdades só conservam a sua força na sua justa inter-relação. Ora, esta inter-relação consiste no facto de que a Fé assume o sentimento e o resgata da indeterminação, conferindo-lhe o seu autêntico fundamento: o sentimento a respeito do infinito repousa na verdade de que o Deus infinito existe e dirige a sua palavra a nós, criaturas finitas.
A Fé não pode encontrar hoje o seu vigor quando é remetida, o mais possível, para a esfera do indeterminado; a Fé precisa de ser compreendida em toda a sua grandeza. Não são as reduções que salvam a Fé, pois só servem para oferecer uma Fé de segunda, a preço módico. Unicamente na sua plenitude é que a Fé adquire significado.
Precisamente pelo facto de que não sejamos nós a ter de salvar a Fé, mas ser a Fé a salvar-nos a nós.
quarta-feira, janeiro 23, 2008
Vida de algarismo
Muito simples, porque também estamos abaixo da média europeia em termos de emissões de CO2, podemos beneficiar de um bónus temporário para poluir o ambiente em mais 27,5% do que o fazemos actualmente. A união atendeu ao nosso baixo rendimento per capita, e às necessidades de crescimento económico, que andam normalmente associadas ao aumento daquelas emissões. Alegrem-se, pois, as fumarolas emergentes, os céus plúmbeos e cinzentos, porque a nossa atmosfera estava excessivamente pura em relação à média europeia. Afinal, estamos todos a construir o homem novo, um novo cidadão europeu, que será uma média ponderada, em percentagem, entre o défice e o CO2, mais energias renováveis.
Apenas um reparo: parece-me que esta proibição de fumar em locais públicos, veio em contra ciclo!
segunda-feira, janeiro 21, 2008
As abelhas castelhanas
Mas se as colmeias portuguesas estão em crise, mais a sul, a situação é diferente. Em pleno Alentejo, as terras abandonadas pelas ocupações de Abril e pelas experiências colectivas soviéticas, estão agora recobertas de extensos e viçosos olivais, propriedade castelhana, que prometem produzir o melhor azeite espanhol da europa!
E nós… ‘vamos cantando e rindo, levados, levados, sim...’
sábado, janeiro 19, 2008
Evocação e Reconciliação
A quem possa interessar eis aqui o programa do Centenário do Regicídio. De resto, esta e muito mais informação pode ser consultada em http://www.regicidio.org/. Uma nação sem memória é uma nação condenada.
31 Janeiro 2008 – 21:30:
Auditório Cardeal Medeiros, Biblioteca João Paulo II – Universidade Católica Portuguesa – Lisboa,
Conferência “Dom Carlos I, Um Rei Constitucional”, Orador principal – Rui Ramos.
31 Janeiro 2008:
Após a conferência no mesmo local – Concerto pelo Grupo de Música de Câmara da Banda do Exército.
1 Fevereiro 2008 – 17:00 horas:
Concentração no Terreiro do Paço, junto à placa evocativa do Regicídio.
1 Fevereiro 2008 – 19:00 horas:
Basílica de São Vicente de Fora, em Lisboa, Requiem Soleníssimo “In Memoriam” do Centenário do Regicídio presididas por Sua Eminência O Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa. Deposição de coroas de flores e homenagem solene aos túmulos de Sua Majestade O Rei Dom Carlos I e de Sua Alteza Real O Príncipe Herdeiro, Dom Luís Filipe.
quarta-feira, janeiro 16, 2008
Ficção ou talvez não!
Há quem se interrogue sobre o estranho comportamento dos empreendedores lusitanos, que afinal não querem ser livres, nem empreender, mas tão só engordar ao colo do Estado!
E como os bons exemplos frutificam, não existe jovem português que não repita: quando for grande quero ser empresário... no Estado!
terça-feira, janeiro 15, 2008
“Palavras proféticas do exilado de Vale de Lobos”
É por isso que ela acreditou ter feito uma religião séria desse fantasma, quando o que realmente fez foi inventar a idolatria do algarismo; e cobrindo com a capa de púrpura a mais ruim das paixões, a inveja, enfeitou-a com um vago helenismo”.
(Carta a Oliveira Martins de 10 de Dezembro de 1870, in ‘Cartas’ - de Alexandre Herculano)
Retirado, com a devida vénia, do Jornal ‘A Ordem’ de 10 de Janeiro de 2008.
sábado, janeiro 12, 2008
Frente de Libertação de Portugal...
Quem são os negreiros?"
A pergunta vem dos Açores e denuncia o 'tratado reformador' (não referendado) que transfere para a União Europeia a gestão dos recursos biológicos do mar!
Do nosso mar salgado...
sexta-feira, janeiro 11, 2008
A Cruz e a Al-Qaeda
Por isso, o que interessa mesmo neste assunto é verificar como um pequeno incidente contra o Símbolo da Cristandade, e vindo de quem usa o Crescente em todas as manifestações da sua vida pública e privada, é de imediato aproveitado no Ocidente pelo laicismo militante na sua campanha de ódio permanente à Igreja Católica e a tudo o que lhe diga respeito! Há muito que sabemos que os inimigos estão dentro da cidade, e que não hesitam em fingir apoio aos Maometanos, desde que isso sirva os seus interesses, visíveis e invisíveis. Invisíveis porque alguém os sustenta, senão não teriam a força nem o descaramento que exibem! Quando as máscaras finalmente caírem, não haveremos de nos surpreender! Uma coisa é certa, entre os seus aliados não estará o Islão, que os despreza por não crentes, nem a chamada Al-Qaeda, quer exista, ou não.
terça-feira, janeiro 08, 2008
Se eu fosse ele…
domingo, janeiro 06, 2008
Dia de Reis
Belíssima mensagem, difícil de resistir, e que sobreleva todas aquelas questões que fazem a agenda política de 2008. Seja a ‘pro-actividade laicista’, na robótica expressão de Menezes, para significar a nova vaga anti-clerical Socretina, seja a viagem napoleónica de Sarkozy ao Egipto (ou será viagem nupcial de Marco António e Cleópatra!), sejam os partidos familiares e democráticos muito em voga (leia-se: a corte republicana e os seus inevitáveis cesarismos), seja ainda o furor com que nos comprazemos a verificar a eficácia das leis, num país onde não se cumprem, onde a justiça não funciona, e quando resolve funcionar, nunca se esquece dos vários pesos e medidas!
Como vêem, não valeu a pena desviarmo-nos da mensagem inicial, portanto, com bolo-rei ou sem ele, com os bagos de romã ou sem eles, é dia de celebrar o Rei dos reis, com os presentes disponíveis, símbolos da Realeza Maior, bálsamos do corpo e da alma.