terça-feira, fevereiro 28, 2006

Partida de Carnaval

Só pode ser!
Recebi esta estranha mensagem, directamente do deserto, em caracteres difíceis de decifrar, mas que ainda assim deixo à Vossa consideração:
“Sou uma pobre mulher, vivo para lá do sol-posto, na Arábia ardente, e soube que fui insultada e vexada na Europa, porque um jornal dinamarquês, resolveu publicar umas caricaturas ofensivas do Profeta Maomé!
Muitos outros dos meus vizinhos também estão revoltados e queixosos contra semelhante atitude e não sabem o que hão-de fazer!?
Dizem-me que o Governo da Dinamarca não é responsável pelo sucedido, pois só lhe cabe assegurar a liberdade de expressão em toda a sua plenitude! Se quiser queixar-me, devo reclamar junto dos tribunais, na Dinamarca!
Como o meu camelo, decerto que não aguenta semelhante viagem, sinto-me de mãos atadas, tal como os meus compatriotas, e imagino que muitos milhões de maometanos?!
Dirijo-me a si porque sei que é católico e também se sentiu vexado quando fizeram uma caricatura indigna do anterior Papa. Que em nome da liberdade de expressão, ficou impune!
Se puder, ajude-me. Se não puder, não respondo por mim quando me aparecer um dinamarquês pela frente.”
Mensagem, de facto, estranha!

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

TIMOR 2006

Ainda se servem de ti, da tua doce ingenuidade, para saírem em beleza!
Fazem discursos ao futuro, ocupam o teu palanque! Trinta anos passados, perdidos e envenenados!
Quem responde pelo tempo?
Rapariguinha sem gramática, de gramática na mão! Sabes por acaso, quem te roubou a gramática, por uma geração?
Tu não sabes e ainda bem.
Agradeces o livrinho do fundo do coração!
A cerimónia prossegue e o Bispo fala do pão. O laico não o entende, insiste na religião!
O fanatismo, diz ele!
É caso para perguntar: quem encomendou o sermão?


Rapariga de Timor,
Pátria na Oceania!
Devolveram-te a gramática,
(a história conheces tu)
Pede-lhes a geografia.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Liberdade de expressão

Falaram-me de ir ao cinema! Fazer o quê, se nem gosto de pipocas?! Aliás, não conheço programa mais antiquado!
Mesmo assim pus-me a imaginar como seria uma deslocação, com ou sem companhia, a um desses tugúrios onde mandam as sapatilhas, algumas cuidadosamente colocadas em cima das cabeças da frente.
Estou a exagerar de propósito. Para afastar essa tentação de reviver ‘um antigamente’ onde a matinée de sábado representava o sonho de uma semana de espera.
Mas afinal qual é o cartaz? O que é que a Meca do cinema nos reserva para esta sessão?
Uma informação confidencial: eles agora trabalham em pacotes de propaganda e infestam as muitas saletas de cinema com poucos filmes, mas de mensagem forte, direccionada ao espírito fraco da massa cinéfila. Gasta-se o que for preciso, o dinheiro não é problema!
A arrogância é minha mas a realidade é de publicidade e consumo. De tudo e mais alguma coisa!
Em exibição temos, disse a menina do guichet:
‘Munique’ do Steven Spielberg, para maiores de doze anos; ‘Match Point’ de Woody Allen, também para maiores de doze; ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ de Ang Lee, para... – já sei, interrompi eu.
E ainda temos o ‘Bambi II’ e o ‘Orgulho e Preconceito’, acrescentou.
- Sabe, estava-me a apetecer ver um filme com ayatollas e turbantes a fazerem miséria no arraial Cristão?! Uma biografia do Saladino!? Os árabes a serem maltratados pelos judeus?!
- Não temos e digo-lhe já que nunca ouvi falar nesses filmes!
Bem, então ficamos com o ‘Orgulho e Preconceito’.
Dois bilhetes, sem pipocas.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

“FRACASSO”

Quando supus ser vitória é fumo apenas.

Fracasso, linguagem do fundo, pista de outro espaço mais exigente, difícil de entreler é tua letra.

Quando punhas tua marca em minha fronte, nunca pensei na mensagem que trazias, mais preciosa que todos os triunfos.
Teu rosto chamejante perseguiu-me
e eu não soube que era para salvar-me.
Para meu bem desterraste-me para lugares recônditos,
negaste-me êxitos fáceis, cortaste-me saídas.
Era a mim que querias defender ao não me conceder brilho.
De puro amor por mim manejaste o vazio que tantas noites me fez falar febril a uma ausente.
Para proteger-me deixaste passar outros, fizeste que uma mulher prefira alguém mais ousado, afastaste-me de ofícios suicidas.

Vieste sempre dar a cara.

Sim, teu corpo chagado, cuspido, odioso, recebeu-me na minha mais pura forma para me entregar à nitidez do deserto.
Por loucura amaldiçoei-te, maltratei-te, blasfemei contra ti.

Tu não existes.
Foste inventado pela soberba delirante.

Quanto te devo!
Levantaste-me a um nível limpando-me com uma áspera esponja, lançando-me para o meu verdadeiro campo de batalha,
cedendo-me as armas que o triunfo abandona.

Levaste-me pela mão à única água que me reflecte.
Por ti não conheço a angústia de representar um papel, manter-me à força num alto, trepar com esforços próprios, discutir por causa de hierarquias, inchar até rebentar.
Fizeste-me humilde, silencioso e rebelde.
Não te canto pelo que és, mas pelo que não me deixaste ser. Por não me dares outra vida. Por me teres diminuído.

Ofereceste-me somente nudez.
É verdade que me ensinaste com dureza e tu mesmo trazias o cautério!, mas também me deste a alegria de não te recear.
Obrigado por me tirares espessura em troca de uma letra grande.

Obrigado a ti, que me privaste de vaidades.
Obrigado pela riqueza a que me obrigaste.
Obrigado por me construir com meu barro a minha morada.
Obrigado por me afastares.
Obrigado.

Rafael Cadenas (trad: José Bento)

terça-feira, fevereiro 21, 2006

“O Caso Americano”

Igreja livre e Estado limitado

O carácter religioso da cultura americana e o papel da Igreja no debate público. Eis por que, do outro lado do oceano, uma concordata entre o Estado e a Igreja é supérflua.

Por Paolo Carozza

È difícil, para um europeu que não tenha passado um período de tempo significativo nos Estados Unidos, aperceber-se até que ponto nós, americanos, somos difusa e sinceramente, um povo muito religioso. Sem esta consciência, o frequente hábito americano de invocar Deus em público pode parecer somente um gesto cínico e instrumental e as intervenções por parte dos líderes religiosos em questões de interesse público pareceriam representar uma corrupção da política democrática. Todavia, constata-se sobretudo uma realidade simples: o que afirmamos em público é um reflexo da centralidade da religião na vida da grande maioria dos americanos. Como consequência, os que quereriam tentar eliminar as expressões religiosas da vida política e censurar os contributos públicos dos líderes religiosos, estão a tentar ignorar e negar aquela que é, com efeito, a realidade e a origem do significado da vida de muitas pessoas. Também nos Estados Unidos existem muitos apoiantes de semelhante laicismo anti-humanista mas, nos últimos tempos, tenho notado que em Itália este fenómeno está algo mais difundido e é certamente mais agressivamente ideológico. Mesmo o forte anti-catolicismo presente em grande parte da história americana nunca foi, senão em tempos muito recentes, uma oposição à religião em geral.

Uma questão de história
Todavia, embora seja um ponto de partida necessário, o carácter religioso da cultura americana só por si não é suficiente para compreender o papel da Igreja no debate público nos Estados Unidos. É também uma questão de história, de direito, do conceito tipicamente americano de Estado e, finalmente, do significado atribuído à razão.
Desde o início, a nossa história foi repetidamente marcada pela forte presença da experiência religiosa em cada acontecimento público importante. Da fundação das colónias por parte de exilados religiosos ao papel central desenvolvido pelos cristãos na luta pela abolição da escravatura e no subsequente movimento pelos direitos civis, até aos debates actuais sobre o papel da América no mundo, a concepção religiosa da vida deu significado e forneceu razões à maneira como os americanos entendem a liberdade, a igualdade, a responsabilidade e o bem comum. Ajudou a responder às perguntas sobre que tipo de pessoas somos e sobre o que aspiramos a ser, perguntas que qualquer controvérsia pública importante apresenta, ao menos ao nível implícito.

Liberdade religiosa
A nossa lei defende e respeita o papel central que a religião representou na vida pública. Temos uma concepção de grande amplitude da liberdade religiosa, que reconhece que um elemento importante da liberdade das comunidades religiosas consiste na possibilidade de falar e agir publicamente. Ao mesmo tempo, na América o conceito de “liberdade de expressão” é substancialmente mais amplo que na Europa. A nossa tolerância para com a presença de opiniões baseadas em convicções religiosas em relação a questões sociais controversas, nasce, em grande parte, da ideia que deve ser dado espaço de presença pública a qualquer opinião, por muito impopular ou desagradável que possa ser para alguns. Isto é particularmente importante, dada a grande diversidade de identidades e de práticas religiosas presentes entre os americanos. Não cabe ao Estado determinar o que é aceitável como discurso público, por isto a lei defende a liberdade de todos de exprimir as próprias opiniões.
Aqui existe uma estreita ligação entre a opinião dos americanos sobre o papel da religião nos assuntos públicos e as suas opiniões no que respeita ao Estado. Enquanto que a herança das teorias constitucionais do século dezanove na Europa continental põe em evidência o monopólio do Estado como encarnação do interesse público, os Estados Unidos pertencem a uma tradição constitucional muito mais propensa a ver o Estado como um actor limitado no tecido social. Deste lado do Atlântico uma Concordata parece ser uma resposta à necessidade de instituir uma série de defesas a favor da Igreja contra a pretensão do Estado em deter poder e autoridade exclusivos e definitivos. Todavia, num contexto como o nosso, onde a liberdade da Igreja é amplamente garantida pelos limites estruturais do Estado, uma Concordata parece supérflua. Um exemplo: não há nenhuma necessidade de um acordo especial que garanta à Igreja o direito de instituir o seu sistema educativo, visto que o Estado não detém o monopólio da educação e não pode proibir a criação e a actividade de escolas religiosas.

Troca aberta de ideias
A nossa concepção de liberdade de religião ou de expressão favorece de um modo decisivo uma troca de ideias aberta e sem limites, enquanto que o papel dos grupos religiosos no debate público é submetido a regras e limitações, como (talvez duma forma surpreendente para os europeus) é amplamente demonstrado pelo direito fiscal americano. Entidades sem fins lucrativos, incluindo as organizações religiosas, estão isentas de taxa desde que não se identifiquem politicamente com partidos.
Consequentemente, as igrejas e as outras organizações religiosas estão sempre atentas a não tomar posições que possam favorecer a escolha de um partido em relação a outro ou de um indivíduo em relação a outro, concentrando-se em vez disso sobre os princípios e sobre as questões reais em jogo nos debates de interesse social. Esta tornou-se, portanto, a linha de demarcação entre as intervenções geralmente aceites por parte dos grupos religiosos e aqueles que são considerados ilícitos.
Implícita nesta distinção entre inaceitáveis tomadas de posição politicamente marcadas e intervenções públicas aceitáveis está a convicção de que os juízos sobre questões de interesse público baseados em convicções religiosas podem ser razoáveis. Ou que sejam capazes de dar motivações aos outros, motivações que possam fazer apelo à concepção comum do que é bom para toda a sociedade e de convencer os outros acerca da verdade de tais afirmações. Na América, como na Europa, se bem que talvez a uma escala menor, os que negam que uma perspectiva baseada em convicções religiosas possa falar duma forma adequada de questões de interesse público, têm uma opinião assaz redutora da capacidade da razão humana. Isto é, em definitivo, a grande questão que está em jogo nas discussões sobre a participação da Igreja no debate público democrático. Permitir e defender tal papel é uma afirmação da mais ampla e alta concepção da capacidade da razão de compreender, propor e apoiar a verdade.

In “Passos – Revista Internacional de Comunhão e Libertação”, nº1/2006.

sábado, fevereiro 18, 2006

Portugal no arco-íris

Restabelecido o sistema que rege actualmente a minha ligação com o mundo, posso enfim escrever algumas notas sobre um dos temas centrais da nossa vida colectiva – as cores dos novos equipamentos da selecção de futebol!
É triste mas é verdade, por mais que rebusque, estamos reduzidos à selecção de futebol, vago ponto de encontro entre os portugueses, e mesmo assim envenenado pela simbologia republicana.
Mas olhemos para as novidades:
O equipamento principal é todo em ‘bordeaux’, dos pés à cabeça, com uma pequena risca verde nas mangas e meias. O alternativo, é preto com riscas prateadas no mesmo sítio. Em ambos haverá, estou certo, alguma menção mais ou menos estilizada aos escudos e quinas.
Diga-se desde já que são bonitos e cumprem os principais objectivos da via-sacra republicana que consiste em disfarçar o erro ‘ verde e encarnado’ que em cinco de Outubro de 1910 traiu os símbolos de um País com oito séculos de História. As cores de Portugal, o Azul e Branco Fundador, atirados às urtigas pela raiva e facciosismo de meia dúzia de antiportugueses.
Alguns republicanos mais lúcidos ainda alertaram para o terrível erro histórico que ali se cometia, mas em vão. O ‘país de costas’ não recuou nos seus intentos de impor a versão colorida da união ibérica, afinal tão do seu agrado, pese a permanente necessidade de se justificar, ‘dourando a pílula’ e iludindo os incautos.
O Estado Novo percebeu imediatamente que a bandeira que tinha sido hasteada na Praça do Município, era o produto de uma guerra civil e não podia por isso ser um elemento de unidade, mas sim de divisão e ressentimento. Nesse sentido foi disfarçando como pôde. Os equipamentos da selecção nacional de futebol foram aproveitados para escurecer o encarnado da bandeira e enveredar pela camisola grenat, com calções azuis e meias azuis. E foi mais longe, adoptando como equipamento alternativo, a camisola branca com as quinas ao peito, mantendo os mesmos calções e meias azuis. Alinhámos assim em alguns jogos do campeonato do Mundo de 1966.
Meio problema estava solucionado, mas faltava justificar a aparição do verde na bandeira! Dar-lhe algum nexo.
Foi então a vez da Mocidade Portuguesa e da propaganda do regime explicarem que em Aljubarrota a Ala dos Namorados empunhava flâmulas e pendões verde rubros. Foi o suficiente para que os jovens chefes de castelo e chefes de quina passassem a ser a verdadeira encarnação do Condestável! A ironia descritiva serve apenas para relembrar um velho ditado – ‘o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita’! E não vai lá com operações de cosmética.
Só a verdade faz caminho, e a verdade é que a facção que em 1910 impôs o verde e encarnado aos portugueses, fê-lo contra o azul e branco, para reescrever a história, e não, como agora nos querem fazer acreditar, para construir ou reconstruir o que quer que fosse. Retirando da bandeira ‘as cores da Fundação e a coroa do Fundador’ o que pretendiam aqueles idiotas? Unir os portugueses? Ofender os antepassados?
Agora, o que se está a tornar caricato em toda esta novela das cores da selecção é que, sem darmos por isso, lá vamos cumprindo o programa de destruição identitária idealizado pela maçonaria e pelo partido republicano: a diferença entre o novo equipamento da selecção portuguesa e o da selecção espanhola, resume-se hoje, ao nível das cores, a um pequeno ‘fumo’ verde!
Claro que tudo isto joga com a ignorância das populações, com tentativas de recomposição da memória, com a aposta no esquecimento. Mas não se iludam. Não é uma questão de somenos ou ultrapassada. Nem é como muitos pensam uma questão geracional que eu, à semelhança daqueles traidores, possa relevar ou escolher à minha vontade. Na democracia da história os mortos têm a maioria. É por isso que a memória colectiva costuma reacender-se de repente, de surpresa, numa qualquer esquina da história. Os exemplos multiplicam-se à nossa volta. Mais tarde ou mais cedo vamos ter que emendar o erro e restaurar as verdadeiras cores e símbolos de Portugal.
As dúvidas esclarecem-se com o Fundador.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Sem meios e com deveres

Por causa de uma avaria no ‘sistema’, aqui estou eu prisioneiro de uma chamada da menina do ‘sapo’ ou da ‘telecom’, pessoas e entidades que nem conheço!
Antigamente, quando escrevinhava para a disquete e esperava pela respectiva publicação, a cargo de ‘Servidores’ de confiança, nunca tive que ficar em casa a aboborar. Agora, a independência é...isto!
Bem, mas o tema da conversa de hoje é: - ‘a minha liberdade de expressão’ ou em alternativa ‘os meus direitos e deveres’.
Talvez começar por referir que esta questão dos deveres é um assunto muito pouco debatido entre nós, e quando o é, acaba normalmente asfixiado por uma série de direitos da espécie dos cogumelos. Quero dizer que nascem por toda a parte e ao menor descuido!
Fui ensinado a equilibrar direitos com deveres numa perspectiva de contas saldadas. Também consigo perceber que nascemos com mais direitos que deveres em função da fragilidade da vida humana. E compreendo que se assista a uma inversão à medida do crescimento e das responsabilidades assumidas.
Mas a verdade é que a história do homem é sempre contada como uma aventura em busca de direitos, nunca de deveres! As Religiões vão temperando este desfazamento como podem, lembram obrigações e contratos por honrar, vínculos que não se devem destruir, mas nada conseguem contra este verdadeiro massacre de direitos.
Direitos que essa entidade abstracta e mítica a que chamamos Estado deve satisfazer de imediato, sob pena de tumulto ou mudança de governo.
Curioso é que estes direitos se afirmam sempre no mesmo sentido, contra a Fé dos homens!
É talvez por isso que a cada anúncio de um novo direito que me querem atribuir ou dar, eu reajo tão negativamente – como se me estivessem a espoliar de alguma coisa com valor.
Posso então admitir que sou um privilegiado, um reacionário a defender o que é ilegítimo, um entrave ao progresso e desenvolvimento da humanidade na sua caminhada triunfal em direcção ao paraíso!
Vencido mas não convencido, uma dúvida condicional atravessa ainda o meu espírito – se as propostas de novos direitos surgem normalmente do lado dos que não acreditam em paraísos, não andará por aqui um tremendo oportunismo?!
É por esta altura que me costumo lembrar daquela historieta que uma vez certamente aconteceu: - um pequeno grupo de pessoas resolveu fundar um clube para praticar o seu desporto favorito, o pingue-pongue. Mas foi preciso contemplar nos estatutos uns quantos direitos de associação e por essa via foram entrando no clube muitas pessoas que não gostavam de pingue-pongue. Um belo dia fez-se uma assembleia convocada à luz de outros direitos obrigatórios e ficou decidido por maioria que doravante nunca mais se jogaria ali pingue-pongue.
E o clube cresceu feliz e contente.
Não me perguntem para onde é que foram os jogadores de pingue-pongue, porque isso não interessa minimamente.
Eles só tinham o dever de deixar passar o ‘comboio da história’!

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Zangam-se as comadres...

Descobrem-se as verdades! Assim fala o povo, enquanto Valentim se queixa amargamente do silêncio presidencial quanto à devassa do segredo de justiça no caso do ‘apito dourado’!
O Major terá declarado que Sampaio só se preocupa com as escutas e o segredo de justiça, quando o seu número de telefone vem à baila no processo da Casa Pia! No resto anda de bico calado!
Ora não sei se repararam, que escrevi ‘apito dourado’ com letra pequena!? Não foi por acaso, não senhor. A circunstância especialíssima de finalmente termos descoberto em Portugal uma nova forma de criminalidade, altamente desconcertante, que se preocupa apenas em subornar árbitros de segunda e terceira categoria, para obter resultados em campeonatos de divisões inferiores, ou até em competições de solteiros e casados, diz bem da perigosidade dos indiciados e dos seus sofisticados fins!
Bem, o que interessa é que fomos nós que descobrimos ‘isto’, ou não fossemos o grande país dos descobrimentos!
E descobrimos mais: que toda esta gente indiciada, e todos os outros que poderiam ter sido mas não foram, seriam incapazes de mexer uma palha que fosse, para interferir com os resultados dos jogos da 1ª Liga ou Liga de Honra, por razões que à partida não são fáceis de compreender, mas que têm afinal uma explicação bem simples!
Porque está em segredo de justiça vou limitar-me a publicar excertos do que consegui apreender, cruzando alguns dados e informações diversas: parece que esta raça de pilha galinhas segue religiosamente a filosofia das vítimas – ‘grão a grão enche a galinha o papo’!
Para grandes operações financeiras, altos empreendimentos, transferências vultuosas, em cheque ou numerário, não contem com eles! Isto é gente com amor à camisola!
É por isso que podem acumular cargos importantes e ser presidentes disto e daquilo sem qualquer risco para o património público e privado!
Mas não era aqui que eu queria chegar. Eu contei-vos toda esta história porque estou preocupado com o desabafo do Major. Se o homem resolve insistir no tema da pedofilia, estou convencido que aquela profecia inicial pode cumprir-se – muita gente vai engolir o apito e os miúdos da Casa Pia ainda vão presos!
Eu se calhar não vou tão longe. Mas admito perfeitamente uma vasta junção de processos, uma vez que há políticos envolvidos em todos eles!
Ora aqui está uma coisa que os portugueses também já descobriram.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Se Maomé não vai à montanha...

Se eu fosse um desses ‘cartoonistas de Abril’, democratas dos quatro costados, e me apetecesse usar do ‘sagrado’ direito de liberdade de expressão como muito bem entendesse!
Se eu fosse, por minha própria fé, um desses cadáveres adiados, e sem o saber, sacralizasse o poder e a Missão da Igreja Católica na Terra, ao ponto de lhe exigir um comportamento exemplar, na óptica dos valores do Cristianismo e ao mesmo tempo na óptica da minha perspectiva do que deve ser o Cristianismo!
Se eu subordinasse o tratamento das outras pessoas e das outras culturas e credos, aos ‘sagrados’ princípios em que acredito e considerasse como ‘adquiridos’ pelo resto da humanidade um conjunto variado de ‘dogmas civilizacionais’, tais como: o aborto, o uso universal dos preservativos, o casamento dos homossexuais, a eutanásia...as mulheres com a cara e as pernas ao léu, as salas de chuto, o holocausto dos Judeus, a democracia de Abril, e outros enigmas quejandos!
Se por um acaso achasse que Israel pode ter armas nucleares para se defender, e os Estados Árabes não as podem ter, para o mesmo fim!
Se também por acaso, achasse que existe um terrorismo bom e um terrorismo mau!
Se insistisse no erro de considerar Israel um Estado laico, e clamasse contra os Estados Islâmicos, porque não são laicos!
Se entretanto não perceber, sem qualquer êxtase democrático, que as minhas diatribes só são possíveis e ainda não tiveram consequências funestas para a minha pessoa, porque o Imã e o Bispo estão sentados lado a lado, e do mesmo lado!
Se por fim não perceber que a continuar assim temos o caldo entornado e nessa altura, com consequências desagradáveis para todos!
Então, se não percebi nada disto, é porque sou estúpido e malcriado e ainda por cima estou convencido que os outros é que são!!!
Nestas condições não me posso admirar que os humilhados e ofendidos, um dia, percam a paciência!

terça-feira, fevereiro 07, 2006

‘Com este sinal vencerás’

‘Em nenhuma outra coisa confiado, senão no sumo Deus que o Céu regia... a matutina luz, serena e fria, as estrelas do pólo já apartava, quando na Cruz o Filho de Maria, amostrando-se a Afonso, o animava...
Com tal milagre os ânimos da Gente Portuguesa inflamados, levantavam por seu Rei natural...Real, Real, por Afonso, alto Rei de Portugal!
Já fica vencedor o Lusitano
Recolhendo os troféus e presa rica;
Desbaratado e roto o Mauro Hispano,
Três dias o Grão Rei no campo fica.
Aqui pinta no branco escudo ufano
Que agora esta vitória certifica,
Cinco escudos azuis esclarecidos
Em sinal destes cinco Reis vencidos’.

No dia em que a Liturgia recorda as ‘Cinco Chagas de Cristo’ respondo ao apelo e convoco a nossa memória para ‘Ourique’ em sinal de liberdade e Independência!
No tempo ‘em que novos infiéis vencem’, não tenhamos medo nem vergonha de celebrar este ‘encontro com o sobrenatural’, único na História das nações e que marcou para sempre o nosso destino!
‘Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades’, mas o símbolo permanece e identifica – cinco escudos azuis ‘esclarecidos’, formando a Cruz que transportámos nas Descobertas, cinco besantes brancos a lembrarem as Cinco Chagas que o primeiro Afonso reconheceu no campo de Ourique.
‘Com este sinal vencerás’ – foi e é o pacto constituinte que atravessou a nossa História!

sábado, fevereiro 04, 2006

O Jorge das medalhas

Eu vinha do lado do rio e só queria chegar ao estádio do Restelo.
A dificuldade era a travessia do jardim de Belém sem ser visto por Jorge.
Cozi-me com o muro do Palácio e avancei resoluto, mas em vão.
Jorge estava vigilante e intimou-me a receber a medalha! Tentei resistir, encolhi o peito, escondi o pescoço, nada a fazer, no fim de uma curta refrega, acabei a posar reluzente para a posteridade!
Porquê, se não sou rico nem famoso?
Porquê, se não tenciono dar uns parafusos, a quem me comprar as porcas?
Isso está bem para aqueles estrangeiros que juram que gostam de Portugal e dos portugueses desde pequeninos! Mas eu, que sou obrigado a mourejar sem destino neste jardim à beira mar, não vale a pena incomodarem-se comigo.
Amigos como dantes.
Eu até percebo a política mendicante em vigor. Se poucos trabalham, e muitos vivem encostados ao orçamento, alguém tem que pagar a conta.
A troco de quê, é o único problema!?
Será só da medalha?
Duvido.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

‘Liberdade’

‘Quando entrei na cidade fiquei sozinho no meio da multidão.
Em redor as portas estavam abertas. A multidão entrava naturalmente pelas portas abertas. Por cima das portas havia tabuletas onde estava colada aquela palavra que sobe – Liberdade!
Entrei por uma porta. Entrei como uma farpa!
Era uma ratoeira, Mãe! Era uma ratoeira! Se eu tivesse entrado como uma agulha podia ter saído como uma agulha, mas entrei como uma farpa, fiz sangue verdadeiro, já não me esquece. Aconteceu exactamente. Dei um mau jeito nos rins por causa da ratoeira! Ainda me lembro da palavra – Liberdade!

Mãe! Vou contar-te como foi.
Havia dois vasos iguais. Um tinha um licor bonito. O outro parecia ter água simples. Um tinha a felicidade, o outro não tinha a felicidade. Era à sorte. A casa estava cheia de gente. Ninguém queria ser o primeiro a começar.

Depois, começaram a beber o licor. Diziam coisas felizes! Coisas quentes que enchem a cabeça toda e deixam os olhos escancarados! Eu vi-os, Mãe! Estavam a aumentar a olhos vistos, juro-te! Os que beberam do outro vaso não divertiam ninguém. Iam-se logo embora. E ninguém já se lembrava deles.
Só ficaram os que gostavam do licor. Eu fiquei com estes. Eu também bebi do licor. Não imaginas, Mãe! Nunca subi tão alto! Ainda mais alto do que o verbo ganhar!

Havia uma rã que tinha entrado comigo ao mesmo tempo. A rã também estava a aumentar.
Depois, quando já estava quase do tamanho de um boi, a rã estoirou. Coitada! Como antigamente, em latim.
Então, pus-me logo a escorregar desde lá de cima, até onde eu já tinha amarinhado; desde mais alto do que o verbo ganhar.
A escorregar, a ser necessário escorregar, a querer por força escorregar, a custar imenso escorregar, a fazer doer escorregar, a escorregar. – O verbo desinchar!
O verbo desinchar dura muito tempo. No fim do verbo desinchar é outra vez a terra, cá em baixo’.

Almada Negreiros “ A Invenção do Dia Claro”

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

‘A lembrança das datas’

Quem hoje se cruza comigo na cidade vive este dia com a tranquilidade dos inocentes! E faz bem, mas ninguém está inocente.
O transeunte que me olha, que me pergunta as horas apressado, não sabe que já não tem nada a ver comigo. Respondo-lhe apenas porque falamos a mesma língua, o que resta em comum, mas se me pedir para ir defender a sua terra não irei, nem ele irá defender a minha!
No dia de 1 de Fevereiro de 1908 quebrou-se o ultimo elo que nos irmanava, que nos unia como comunidade pátria, tantas vezes ferida, muitas vezes maltratada, mas nunca antes decapitada. Os tiros que no Terreiro do Paço mataram o Rei, liquidaram-nos como nação livre e independente. E fizeram de todos nós criminosos.
E porque o pecado original também existe em política, ele só será redimido pelo arrependimento colectivo, por um acto público de contrição que ainda não fizemos.
Que ninguém pense que este é um dia de luto para os monárquicos. Bem gostariam que assim fosse os que lucraram e lucram com a situação. Desenganem-se.
Os monárquicos apenas têm consciência da ferida aberta, mas quem tem que a fechar somos todos nós. Com os representantes da nação à cabeça.
Assim fez Boris Ieltsin, em plena Duma, pedindo que a História lhe perdoasse a ele e ao povo russo pelo crime também hediondo perpetrado sobre os Romanoff.
Volto ao princípio, aquele transeunte nem sabe do que estou a falar, e se soubesse, diria que estou doido varrido.
Mas quem sabe do que estou a falar, quem ousou construir o que quer que fosse sobre o crime do Terreiro do Paço, sabe que não há volta a dar, a não ser desfazer o nó que vai sufocando Portugal.
E já é tarde...