terça-feira, outubro 30, 2007

Honrosas excepções

Nem tudo está perdido, ainda existem autarcas que desafiando o legalismo estrito em que algumas empresas públicas se movimentam, não têm dúvidas de que lado é que está a razão! Fátima Campos, presidente da junta de freguesia de Monte Abraão soube distinguir entre o interesse concreto que representa a saúde dos habitantes que a elegeram e o denominado interesse geral que a REN anuncia em abstracto. Para levar a sua avante enfrentou a paralisia da Câmara de Sintra, o Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu a seu favor, e ainda, a enorme inércia nacional.
Esta vitória jurídica pode ajudar noutros casos e noutras lutas.

Outro exemplo de reacção proveniente da sociedade civil surge em Almada, mais propriamente no Lazarim: “ O Colégio Campo de Flores começou esta semana a efectuar medições do campo electromagnético através de um medidor idêntico ao que a REN utiliza e que custou 15 mil euros. O director da escola explicou ao DN que o aparelho está ligado e que os dados serão disponibilizados na Internet. As medições estão a ser feitas junto ao local onde vai passar a linha de muito alta tensão que irá ligar a subestação da Trafaria a Fernão Ferro, Seixal. Apesar da linha passar a oitenta metros da escola, João Almeida acredita que quando for ligada, em Março, os valores serão respeitados. As medições são uma medida preventiva para descansar quem aqui trabalha e quem aqui tem filhos, mas vamos imputar os custos à REN, assegura”.

Fonte: DN de hoje.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Memória

Ainda não é tarde para a memória, ainda vou a tempo de deixar no interregno uma lembrança do outro tempo em que privei e aprendi com João Carlos Camossa Saldanha. Foi nos anos que se seguiram à revolução de Abril, na luta política travada dia a dia, às vezes, hora a hora, nas discussões que corriam pelas madrugadas, na ilação surpreendente… Não possuo méritos nem envergadura para escrever sobre João Camossa, mas descobri um texto muito bonito nos ‘cadernos do partido popular monárquico’, da autoria de Tereza Martins de Carvalho, que poderia ter sido escrito por ele:

“Comuna foi a palavra lançada a desfavor dos ventos e marés dos socialismos abundantes depois do 25 de Abril e eis que ficou enigmática e brilhante como estrela nova em céus desvendados, portadora de múltiplas ressonâncias, tanto revolucionárias como longa e medievalmente tradicionais.
E esta palavra, assim aparentemente paradoxal que sugere subversão, parece acordar também o eco longínquo de certa liberdade julgada há muito extinta no altar das massas e do Estado: a liberdade de cada um.
Ao mesmo tempo desperta em nós o desejo e as forças de um amor comum por algo de comum, ainda indefinido mas perto de nós, alcançável, interpretado e açambarcado por sistemas e partidos mas que os ultrapassa sempre, os gasta e corrói porque nasce a cada momento da liberdade de cada momento.”

quinta-feira, outubro 25, 2007

Semelhança

Entre passadeiras encarnadas
Dois presidentes, e atrás
Duas bandeiras descoroadas,
Renegam
A praia da descoberta
E outro ultraje
Que podes sentir no Hermitage.

terça-feira, outubro 23, 2007

Pobres

Reflectir sobre a pobreza, quando ela nos passa ao largo, é uma actividade interessante, a nossa televisão debruça-se muito sobre o tema, e ontem, sem querer, lembrei-me de um dos personagens do escritor russo Nicolau Gogol. Era o homem rico da terra, que à saída da Missa e no adro da Igreja gostava de se inteirar sobre o estado de pobreza dos seus conterrâneos! Muito meticuloso nas perguntas, aprofundava o assunto até ao ponto de saber exactamente o que lhes faltava para deixarem de ser pobres. Depois, despedia-se até ao próximo Domingo.
Mas a primeira parte do programa, especialmente a intervenção de Bruto da Costa, acabou por clarificar a questão dos números: somos dois milhões de pobres, ou seja, 20% da população, e desses dois milhões, 80% são pobres porque trabalham ou estão reformados! Ficámos também a saber que para esta maioria esmagadora não existe qualquer política especial, nem para ela são canalizados quaisquer fundos para além de complementos de reforma para esconder uma indignidade maior.
Outra verdade impossível de escamotear sentencia que se trata de um problema que em trinta anos nenhum governo de Abril conseguiu sequer atenuar!
Com estas informações desligámos o televisor incapazes de assistir ao massacre da pobreza aliviada… de um pobre deste país.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Porreiro, pá!

Seguiu-se um abraço, veio depois o champagne. Foi assim que Sócrates e Durão Barroso selaram o acordo entre os 27 estados e que ficará conhecido como o Tratado de Lisboa. Os artistas são portugueses, não vale a pena acrescentar mais nada. Do oito ao oitenta, parecem longínquas as verdades de Salazar que dizia - “Portugal não é só uma nação europeia e tende cada vez mais a sê-lo cada vez menos”. Hoje as caravelas viajam pela europa, dobram tormentas, para trazer especiarias sob a forma de fundos comunitários, provávelmente as últimas antes de caírmos na realidade.
O que é curioso no meio desta euforia, é que ao contrário da maior parte dos outros estados, Portugal não regateou nada para si, basta-lhe a assinatura do tratado para poder levantar o cheque. O argumento português é imbatível:- uma união europeia forte é garantia de que não seremos despedidos. Os donos da união estão contentíssimos, nunca viram empregados tão dedicados, e tão competentes, mais europeus que a própria europa!
Cá em baixo, alheios, os portugueses preparam-se para mais um fim de semana a contar os tostões.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Quatrocentos

É apenas um número e corresponde ao número de postais que levo escritos neste interregno, um caminho que se aproxima a passos largos dos três anos de idade e quem sabe, do seu limite. Olhando para trás tenho a sensação que passei o tempo a escrever o mesmo postal! E com um único título – “Deus, Pátria, Rei”.
Relembro que o interregno é essa ausência, a ausência de Deus na cidade dos homens, que reduz a dimensão (e o valor) da vida humana à economia dos seus aspectos utilitários, onde não entra a noção de eternidade. A apregoada separação entre a Igreja e o Estado esconde afinal o divórcio entre o homem e Deus. Nestas circunstâncias deixam de existir valores permanentes, tudo é efémero, e os poucos que resistem, porque não têm representação adequada, relativizam-se e tornam-se descartáveis. Assim a Pátria é hoje uma vaga memória colectiva, susceptível de ser vendida ou alocada, de acordo com a melhor oferta. Não admira que o Príncipe tenha sido expulso ou assassinado, ele era a figura humana da Pátria, a sua defesa, a sua representação política, portanto, um empecilho para os apetites das grandes potências, um alvo a abater pelos traidores. É preciso esclarecer que a Pátria não é um hino, ou um monumento ao passado, é a vida da própria comunidade, a sua história, a sua cultura, é território, é independência conquistada em mil batalhas, e em outros tantos gestos de nobreza!
Nem todos os povos ou nações conseguiram construir pátrias livres e independentes, faltou-lhes por certo algum dos pilares que enunciei, faltou-lhes sobretudo a vontade que hoje nos vai faltando.

terça-feira, outubro 16, 2007

O zero absoluto existe

Andava à procura de um título que definisse o programa de prós e contras que a televisão pública emitiu ontem à noite, encontrei-o com a ajuda de alguém a quem recorro nestas emergências e que me sugeriu que conjugasse o verbo existir com o “Z” daquilo que não existe, não fui tão longe, mantive o “X” que retrata bem este país empatado, incógnito, de pais incógnitos e cuja memória se reduz à cantoria do hino!
Na plateia estavam combatentes do Ultramar, estavam alguns patriotas, muitos traidores, estavam refugiados, estava um guerrilheiro da Frelimo, um ministro da Guiné, estavam comissários de Abril para bater palmas, a irresponsabilidade era o mote, a justificação do injustificável o objectivo. Cabia à moderadora levar o programa até ao fim dentro das baias do politicamente correcto, que consiste afinal em relativizar tudo para que todos tenham razão! Um outro objectivo, exterior ao debate mas que foi patente ao longo da emissão, teve a ver com a publicidade a uma ‘série’ que a RTP vai transmitir em breve, cujo tema é a última guerra que travámos em África. Segundo o autor, a obra destina-se especialmente à juventude que não conheceu a ‘guerra colonial’. Fico a aguardar e só espero que não se transforme em mais uma campanha de alfabetização.
Tentando sair do zero absoluto confirmo aquilo que sei: cumprimos o serviço militar obrigatório na convicção de estarmos a defender a Pátria, independentemente do regime que vigorava na altura; estávamos também a defender as populações que em nós confiavam e não se sentiam minimamente representadas pelos chamados movimentos de libertação; fomos vencidos e esbulhados de territórios que estavam à nossa guarda e isto aconteceu no jogo das grandes potências, durante a guerra-fria, e não soubemos ou não conseguimos resolver a tempo os desafios políticos que esse mesmo tempo nos colocou; resta-nos a dignidade de assumir a derrota sem procurar extrair daí quaisquer vantagens ideológicas ou partidárias, e pelo respeito que nos merecem os que se bateram, não nos devemos enganar com vitórias morais.
Uma nota final com vista ao futuro: como monárquico, mas sobretudo como português, sempre senti que o regime republicano não tinha capacidade para agregar e desenvolver uma comunidade de estados ou autonomias em redor de um projecto comum. Projecto esse que tem na língua, mas principalmente na vivência secular a sua trave mestra. Hoje, face às dificuldades que o mesmo regime tem em lidar com as autonomias regionais, a anterior convicção reforçou-se. Portanto, o espectáculo de recriminação mútua que todos os dias as sucessivas repúblicas nos oferecem, é inútil e aproxima-nos cada vez mais do zero absoluto.

Fim de semana...

Continuou com o congresso do PSD onde pela voz de Manuela Ferreira Leite ficámos a saber o que já sabíamos: que as diferenças entre o PS e o PSD são apenas de natureza táctica. E como tal, para que este rotativismo mantenha a ilusão da mudança é necessário que mudem as moscas. A matriarca deu até alguns conselhos ao impulsivo pretendente mas este foi mais ousado e haveria de surpreender os congressistas (os que não estavam a dormir) com algumas propostas que podemos subscrever! É certo que não resistiu à tentação de invocar a revolução francesa, ninguém se chama Luís Filipe por acaso. É certo que parece acreditar numa quarta república, e numa nova constituição, mais curta e menos ideológica, onde caibam portanto mais portugueses, e acredita que esse facto possa trazer outra confiança e apaziguar a comunidade. Também aposta num regime mais presidencialista julgando assim resolver a guerra entre dois galos legitimados pelo voto popular! Mas independentemente das suas crenças, é evidente que o fim do tribunal constitucional (uma instância de natureza político-partidária) é um enorme contributo à causa da justiça, hoje completamente descredibilizada. Como é importante o seu pragmatismo face à regionalização que não tem que ser implementada ao mesmo tempo em todo o território, mas de forma selectiva, e em nome da coesão nacional, nas regiões mais desertificadas e menos desenvolvidas do país.
Apesar da bondade destas promessas os monárquicos não podem esperar muito de um homem que invoca a revolução francesa e espera da república aquilo que nenhuma república lhe pode dar – liberdade, igualdade e fraternidade.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Fim-de-semana com Rousseau

Começou com o terramoto de Catalina Pestana ao “Sol” que confirma tudo o que toda a gente sabe ou desconfia: - “…Quando se fizer a história deste processo (Casa Pia), todos verão que, se houvesse legislação que permitisse investigar tudo o que foi dito a mim, à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, o terramoto teria consequências devastadoras…”. Perante tal abalo o regime republicano tinha não apenas de abafar mais este escândalo (afinal cada republica tem o seu ballet) como tinha que tomar providências para não ser apanhado outra vez… “com as calças na mão”. Perdoe-se-me o plebeísmo. Assim, num toque a rebate, cada um fez o que tinha que ser feito: os partidos desavindos uniram-se (quem é que não tem rabos de palha...) a comunicação social domesticou-se, a maçonaria e outras forças ocultas manobraram na sombra, o governo mudou, mudaram os códigos, o tempo passou e o processo encravou. Mas um terramoto tem sempre as suas réplicas e elas aí estão a mostrar à saciedade como funciona a trilogia de Rousseau: liberdade… para ocupar o estado e colocá-lo ao serviço de interesses inconfessáveis; fraternidade… para sair impune contando com a ajuda dos irmãos e compadres; a igualdade fica para o próximo capítulo.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Profetas do presente

Não gostam de olhar para o passado, a vida resume-se à utilidade e bem-estar que desfrutam e querem lógicamente que se eternize. Cientes da eternidade desatam a fazer as profecias mais convenientes. Usam espantalhos conhecidos como o fascismo, a inquisição, a intolerância religiosa está sempre presente, e quando lhes forçam a mão atrevem-se a recriminar o comunismo. Mas o tom de voz baixa claramente. São laicos, expressão confusa que descodificada significa a separação entre a religião e o estado, mas são hipócritas porque querem apenas varrer do espaço público, primeiro, quaisquer práticas e símbolos religiosos, depois, e quando for possível, hão-de varrer da consciência de cada um quaisquer vestígios de religiosidade. E são republicanos porque a monarquia portuguesa é indissociável dos princípios católicos em que foi fundada. São também dissimulados e oportunistas. Quando acossados recuam e recebem os Bispos; quando se trata de preservar a imagem, vão a Fátima.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Sucessão republicana

Quando já nada existe em comum, para além do ritual dos gestos vazios, quando a língua em que nos entendemos é apenas uma facilidade de comunicação caída do céu, o regime republicano não tem outro remédio senão disfarçar-se numa sucessão de repúblicas sempre novas e sempre gastas. Faz isto por querer e sem querer, e assim todos os elos se desfazem e vão desaparecendo. Sem querer, porque não consegue perceber aquilo que é elementar, que cada comemoração do dia da república corresponde a um juizo negativo sobre o regime monárquico que nos deu o ser e construíu toda a nossa identidade. Por querer, quando promove regicidas, quando atenta contra a vida dos indefesos, quando quer afirmar uma ‘religião’ laica contra a tradição do catolicismo, quando finalmente se demite do esforço colonizador e missionário, serviço universal que nos justifica como pátria livre e independente. Porque todos estes princípios são diáriamente denegridos e postos em causa pelo poder republicano, deixámos de acreditar no passado, e também por isso não confiamos no futuro, por mais simpáticos que sejam os dois primeiros-ministros que elegemos. Numa previsão breve e com pouca margem de erro a quarta republica que se adivinha, apenas difere da terceira porque para manter as aparências precisa de mais autoridade e menos liberdade. Portanto é sem surpresa que assistimos à governamentalização da justiça, ao controle dos media, à ausência de verdadeira oposição no Parlamento, em suma, vamos ter uma quarta república que promete ter todos os defeitos do salazarismo sem as virtudes de Salazar! Este tinha uma ideia para o país coisa que os actuais proprietários do poder não têm, nem querem ter. A união europeia que nos governe. Quando ela acabar e quando acabar logo se vê! Entretanto Sócrates e Cavaco vão dourando a pílula... que temos de engolir.
Saudações monárquicas.

domingo, outubro 07, 2007

Variações sobre a degenerescência

“Maria Albertina como foste nessa de chamar Vanessa à tua menina! …Maria Albertina não é um espanto, mas é cá da terra, tem outro encanto…”.

Lembro-me de António Variações, e hoje, perante o interesse que desperta, dou comigo a pensar nas razões submersas da sua popularidade! Não tinha grande voz, nunca estudou música, o seu destino trágico, igual a outros ícones do seu tempo, contribuiu sem dúvida para compor a personagem, mas parece-me que a sua aura mergulha em águas mais profundas.
“Para a frente não havia nada…”, diria numa das canções que são afinal a história da sua vida. Segue recordando, passo a passo, a partida, a aventura da emigração, a vida difícil do deslocado, a alma que não cabia dentro do corpo, “só estou bem onde não estou…”, os erros assumidos sem a facilidade da justificação, ”cabeça que não tem juízo, o corpo é que paga…”! A ética ficou sempre de pé e nunca renegou a tradição. Tradição no único sentido conhecido: – sou um herdeiro, não renegarei a herança.
É por aqui que eu vou, é por aqui que a sua mensagem permanece – assumir a herança significa, por exemplo, não ter vergonha de usar o nome dos antepassados, significa não ter a petulância e a vaidade de escolher nomes por catálogo, sem significado, só porque estão na moda, ou simplesmente porque sim. A tradição é caminho comum, o contrário da tradição é degenerescência. Alguns chamam-lhe o homem novo, e a história ri-se.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Cinco de Outubro

Feriado nacional!
Não vou pactuar com o disfarce geral, com a ausência da data na primeira página do jornal!
Nem me vou contentar com outras efemérides, por mais relevantes que sejam. Não.
É em nome da verdade que o faço, a minha memória recusa-se a ignorar o implante!
A prótese jacobina e anti-cristã, ferro cravado no coração da pátria…agonizante.
É preciso que a nação saiba o que vai celebrar, a saber:
O Regicídio.
O terror carbonário, que até os seus liquidou.
A guerra civil permanente que nunca mais acabou.
O símbolo presidencial da divisão em cada nova eleição.
A exemplar descolonização.
A ditadura de mais de meio século de indecisão.
E ainda: o velho condado convertido em euros e a próxima união… filipina ou não!
Resultado de cem anos de rendição!
Pois, pois, a globalização!
Exactamente – dependente, independentemente!
E agora, o que vais cantar meu menino?
O hino?

quinta-feira, outubro 04, 2007

Ainda o tratamento por tu

"Creio que o tratamento dos pais por 'tu' corresponde a um desejo de maior proximidade e comunicação na família, o que eu mesmo considero estimável. Todavia, o mesmo resultado poderia ser alcançado doutros modos... No entanto, parece-me que seria importante considerar que tratar os pais por 'tu' esconde, ou falsifica mesmo, a realidade, que os colocou (aos pais e aos filhos) em patamares de responsabilidade diferente. Assim, o 'tu', que indicia 'igualdade', é uma formalidade que depois irá ser desmentida no uso da legitima autoridade paternal, que, se o for, não é nunca um exercício de 'igualdade'. A diferenciação de tratamento, que JSM nos convida pertinentemente a reflectir no seu post, apenas pede que se acolha a realidade: há papeis diferentes, nomeados diferentemente. Parece-me que esta questão tem ainda que ver com duas outras: o medo que o tema 'autoridade' evoca na mentalidade dos educadores, estereotipadamente democráticos, e algum eco de sentimentalismo 'roussouniano/marxista' que sugere uma sociedade sem classes (coisa que sempre resvalou para uma sociedade sem classe...). Lembro, aliás, que segundo Zita Seabra, todos os camaradas tratavam Cunhal por 'tu' e ele, na volta, agradecia e mandava 'democraticamente' neles todos - sob farsa da igualdade, a ditadura do mais forte. As pessoas que conseguem fazer distinções são sempre as pessoas que se distinguem - da música à ciência, do desporto à escolha dos vinhos. O cristianismo ensina, promove e multiplica as distinções: Deus/homem; céu/terra; Liturgia/vida de trabalho; Amor/ascese. E cada uma destas 'realidades' tem nomes, farda, formalidades próprias. Não por 'formalismo' mas por desejo de unidade, que é uma coisa muito diferente desta moda ideológica da igualdade que teima em tratar similarmente o que por natureza é diferente."
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Com a devida vénia, transcrevo sobre o mesmo tema um texto mais claro, mais profundo, e mais bem escrito que o meu. A excelente análise está assinada por ‘Pope’, no “Fora de Estrutura”.

segunda-feira, outubro 01, 2007

O tratamento por tu

Nos povos primitivos a linguagem era primitiva, foi portanto com muito esforço que conseguimos sair do ambiente das cavernas, das pinturas rupestres, dos primeiros sinais de escrita, que podiam significar muitas coisas ao mesmo tempo, até chegarmos à actual riqueza vocabular e verbal. As relações humanas, cada vez mais complexas, exigiam uma linguagem e uma gramática cada vez mais complexa. É portanto fácil distinguir o grau de civilização de um povo pela sua riqueza vocabular, índice seguro de que passaram por muitos e variados cabos de esperança e de tormenta!

Felizmente que os portugueses têm verbos e expressões para tudo e mais alguma coisa, ao contrário de outros povos que medem a sua grandeza apenas pelo tamanho dos obuses! Para dar dois exemplos, os franceses têm poucos verbos e assim “avoir” pode querer dizer duas coisas – ter e haver! Nos ingleses, “you”, significa ao mesmo tempo ‘tu’ e ‘você’! Ou seja, os ingleses praticam e entendem-se actualmente numa linguagem primitiva! A simplificação, neste caso, não corresponde a nenhum avanço civilizacional no campo das relações humanas, que se tornam menos claras, mais pobres em termos de significado, o que constitui um indubitável retrocesso.

Mas a linguagem é a expressão da realidade e por isso não admira que “com orgulho e erro” assistamos à tentativa de justificar procedimentos deseducativos e rudes, à luz de uma ideia de falso progresso, como se fosse tudo “igual ao litro”! Assim, os pais aceitaram que os filhos os tratassem por ‘tu’, porque é moderno, para encurtar distâncias geracionais, porque acham que pais e filhos são a mesma coisa, ou por outro motivo ainda mais obscuro! Outros tratamentos, que marquem a distinção, a diferença, a cerimónia, tendem a ser abolidos, em nome do igualitarismo dominante, em que vale tudo, inclusivamente a falta de respeito pelo outro. Pelo próximo.

E assim vai o mundo… e a barbárie.