sábado, março 29, 2008

E Chaimite ali tão perto…

O corrector de texto não conhecia Chaimite, assinalou o erro, e foi preciso acrescentar ao dicionário a pequena povoação onde o Gungunhana, poderoso Régulo dos Vátuas, foi submetido por Mouzinho de Albuquerque! Acabava ali a rebelião que ameaçava Lourenço Marques e a própria soberania portuguesa em Moçambique. Tempos heróicos, e de apressada colonização, numa época em que as grandes potências europeias olhavam com cobiça o continente africano, em geral, e as colónias portuguesas em particular. Por causa disso, mas sobretudo por causa delas, sustentou-se o patriotismo popular, acusaram-se inocentes, ensaiaram-se revoluções… Passaram mais de cem anos entretanto, e entretanto enfrentámos outra guerra, provavelmente pelas mesmas razões que levaram Mouzinho a Chaimite, mas os tempos mudaram tanto que as vontades nem se reconhecem!
De visita a Moçambique, onde cumpriu serviço militar, está o Presidente Cavaco Silva numa romagem que acredito de saudade mas também de tristeza face aos sinais de miséria que se espalham por toda a parte e que o protocolo dos sorrisos oficiais não consegue disfarçar. O próprio Eusébio, que integrou a comitiva, não escondia a sua decepção, enquanto procurava nos terrenos perdidos da sua infância, a Mafalala onde aprendeu a jogar à bola! Contente e esfusiante, como se fizesse parte de outro filme, só a senhora Cavaco! E eu fico confuso, pois não sei se hei-de achar graça ou se tenha pena, por aquele voluntarismo todo, há ali qualquer coisa que não bate certo, artificial, e que se repete nestas visitas presidenciais! Um indisfarçável sentimento de perca e por isso me lembrei de Chaimite.

sexta-feira, março 28, 2008

“ O anti-clericalismo português” (I)

“É discutível se houve anti-clericalismo propriamente dito em Portugal antes de 1820. As questões entre os Reis e a Igreja (que muitas foram de D. Afonso Henriques a D. João V) eram mais disputas de privilégios e jurisdições do que posições ideológicas; era mais, por assim dizer, o direito civil contra o direito canónico e vice-versa do que uma disputa entre materialismo e idealismo.
Com a Revolução de 1820 o anti-clericalismo assume-se e define-se como tal. As Cortes Constituintes de 1822, aboliram os privilégios do clero e pouco depois, Joaquim António de Aguiar dá o segundo grande passo: a abolição das ordens religiosas, com o confisco imediato dos bens das ordens masculinas (1854) e tomando o Estado posse dos bens das ordens femininas depois da morte da última religiosa de casa. Estes factos, conjuntamente com a recusa da Santa Sé de confirmar os bispos eleitos, levaram ao rompimento das relações diplomáticas só restabelecidas em 1848.
Com a instauração do regime republicano, dá-se novo rompimento quando a República confisca todos os bens diocesanos e proíbe o uso, em público, dos “hábitos talares” e Afonso Costa promete acabar em Portugal com a religião “em duas gerações”. Deu-se depois uma reaproximação entre o Estado Português e a Igreja que só viria a completar-se e a formalizar-se com a “Concordata” em 1940.
Falo de posições oficiais. Porque o anti-clericalismo como posição pessoal permaneceu em muitos espíritos intolerantes – curiosa e paradoxalmente sobretudo entre aqueles que reivindicavam o direito à livre expressão de pensamento (Para si próprios – que não para os outros).
A revolução de 25 de Abril de 1974 teve o cuidado de ter em conta as lições do anti-clericalismo da 1ª República e absteve-se de posições anti-Igreja (se exceptuarmos casos pontuais, aliás da iniciativa pessoal de alguns revolucionários). Salgado Zenha usou mesmo uma expressão curiosa dizendo que “não se ia tirar o anti-clericalismo da naftalina” (cito de memória) e Vasco Gonçalves teve sempre o cuidado não só de não atacar a Igreja como instituição como também de pretender atrair a si alguns grupos católicos, como de resto, já vinha fazendo o Partido Comunista.
Isto é: sinceramente ou com segundas intenções, de uma maneira geral, os responsáveis do 25 de Abril tinham outras prioridades.
Trinta anos depois, consolidada a Democracia, o anti-clericalismo está de regresso em pezinhos de lã. A pretexto de manter a Democracia, de garantir a igualdade, de salvaguardar a liberdade, sem se assumir como o que é, mas, pelo contrário e paradoxalmente, em nome da liberdade religiosa, vai abolindo os símbolos da fé de muitos portugueses e preparando o caminho para proibir que – cristãos ou não – usem distintivos da sua crença.
Fé, crença, religião – só em casa. Em público os cidadãos da Democracia portuguesa não podem usar sinais que os identifiquem como crentes.
Isto é: o anti-clericalismo português é uma manifestação de fundamentalismo laicista tão primário e anti-democrático como qualquer outro.”

Lido no semanário católico “ A Ordem” de 6 de Março de 2008, e da autoria de M. Moura-Pacheco.

quarta-feira, março 26, 2008

Uma raça perigosa

Eu ainda disse para fecharem as universidades, era uma maneira de estancar a degeneração, mas ninguém me ouviu, houve até quem insinuasse que se tratava de uma manobra para acabar com a raça dos doutores, espécie protegida como se sabe.
Sugeri então que se encerrasse a escola pública mais o seu monstruoso ministério! Que não, que não podia ser, onde é que se encaixava aquela mole imensa, era o desemprego, a miséria, o país não resistia! E o que é que se fazia a tanto professor?! Admiti o excesso e recuei, mas não deixei de resmungar: - para ‘ensinarem’ que o Dom João VI tinha ‘fugido’ para o Brasil, não eram precisos tantos! Bastava um casal para perpetuar a raça! Eu bem sei que muitos estão inocentes porque os conteúdos fazem parte da propaganda do ministério… e do regime! Bem, mas não podendo ser pelas razões caritativas expostas, há que encontrar uma solução rápidamente. Eu tenho uma ideia, aliás, duas ideias, a saber: partindo das actuais características da raça, resultado de um inesperado cruzamento de um dogue com um bovino, sabendo que atacam quando estão telemóveis por perto, e preferem o piercing ao açaime, eu tentava adaptar a prevista legislação sobre raças perigosas às escolas. E quanto ao piercing, em lugar de proibir, tornava obrigatório o seu uso na orelha, mas com chip.
Se esta ideia não resultasse, avançaríamos para a outra, menos rápida mas mais radical: estou a pensar numa sábia combinação entre o aborto, a eutanásia e uns incentivos para casamentos homossexuais. E acabava-se de vez com esta raça perigosa.

terça-feira, março 25, 2008

“A cultura da tolerância”

“Uma das características da cultura dita europeia ou ocidental é a sua capacidade de convívio com outras culturas. Desde os alvores da Idade Moderna – em que se confundem (por sobreposição temporal) a descoberta de novos mundos com a redescoberta do mundo antigo dando origem ao humanismo renascentista – que assim é. A curiosidade pela cultura dos outros levou não só à sua procura como à sua aceitação.
A isto se chama tolerância cultural. Ou se quisermos a cultura da tolerância no duplo sentido do termo: cultura que é tolerante e cultura que cultiva a tolerância.
Isto significa respeito (e, repito, quantas vezes curiosidade intelectual) pelas ideias alheias – uma perspectiva caracteristicamente europeia, que viria a dar origem a um conceito também especificamente seu de que a Europa se orgulha: o conceito de Democracia.
A Democracia não é compreensível sem o conceito de tolerância; a sua própria essência é a própria tolerância. Implica respeitar as ideias do Outro mesmo quando não estamos de acordo com elas. Implica estarmos prontos para sacrificar a nossa vontade à vontade da maioria. E implica mais: implica a grande debilidade da Democracia – respeitar quem não nos respeita a nós.
O respeito do ocidente por culturas (incluindo religiões) exóticas, distantes, diferentes, e essa capacidade de lidar com a diferença é um dos sinais distintores da cultura europeia.
Por isso entendo a tolerância religiosa como um traço definidor da “personalidade colectiva” europeia e ocidental.
Inversamente parece-me aberrante o laicismo (não a laicidade) e mais ainda o anti-clericalismo no seio dessa cultura.
Juntar Democracia com laicismo – sobretudo fundamentalista – parece-me a quadratura do círculo – por incompatibilidade dos termos.
É por isso que os fundamentalismos – religiosos e anti-religiosos entre outros – são atitudes profundamente anti-culturais, primitivas, bárbaras e pouco elaboradas a despeito de máscaras eruditas que possam afivelar. E acima de tudo são profundamente anti-democráticos. Como anti-democráticos são os laicistas portugueses do tempo presente por mais que se travistam de gente culta e enrouqueçam a gritar Democracia. Ou precisamente por isso.”

Lido no semanário católico “ A Ordem”, de 28/02/08, e da autoria de M. Moura-Pacheco.

segunda-feira, março 24, 2008

Páscoa Aleluia

Aleluia

Dizem-me os sinos que repicam ao longe… que mal ouvi por preguiça,
Aleluia pelo sentido familiar destas horas, que mal senti por desleixo, aleluia por tudo, pelos amáveis sorrisos, pelas contrariedades, minúsculas se comparadas com outras que vou esquecendo… aleluia por ti, que não existes, mas que comandas a minha vida, e de uma maneira tal que me deixo ir, sem esforço, como num sonho! Aleluia, insisto, porque estamos na Páscoa e a Páscoa é o triunfo da vida sobre a morte, aleluia portanto.
Aleluia por mim, que ainda espero e não desespero!
Aleluia, disseram-me.

quarta-feira, março 19, 2008

“A cultura de raiz religiosa”

“Muitas foram e são as polémicas originadas pelo conceito de cultura. E mais ainda as que resultam da diferença entre civilização” e cultura”. Sem aqui querer reabrir a questão, sempre avançarei dois traços que como leitor de boa-vontade, me parecem comuns às várias teses.
Primeiro traço: enquanto a “civilização” é o avanço do homem sobre a matéria e sobre o mundo, a “cultura” é o avanço do homem no espírito e, consequentemente, sobre si mesmo.
Segundo traço: a cultura é uma “mundividência” e a consequente maneira de viver e agir. É não só, e primeiramente, a visão mas também a maneira como nele vivemos e a vivemos: usos, costumes e todas as formas simbólicas como a língua ou a arte.
Estes conceitos – “cultura” e “civilização” – estão infinitamente próximos um do outro, interpenetrando-se mesmo e tornando, por isso, difícil a destrinça em termos práticos. Resulta daí que a civilização influencia poderosamente a cultura e vice-versa: a cultura influencia poderosamente a civilização. Mas são diferentes. No plano teórico, visivelmente diferentes.
Neste sentido a religião é uma forma de cultura. A Teologia é uma explicação do mundo (segundo determinada visão) e da vida. Por isso mesmo daí derivam directamente as normas sobre como viver no mundo e como cumprir a vida. São as morais heterónimas que têm origem na revelação. Mais: os aspectos formais da religião – a Liturgia – fornecem-nos pistas preciosas para a investigação cultural na medida em que são sinais sensíveis de uma determinada maneira de ver o mundo e viver a vida.
Assim se compreende que determinadas culturas (para não dizer todas) estejam profundamente moldadas pela religião; e, consequentemente, as resultantes civilizações.
A cultura budista tem a sua origem na religião ensinada por Buda e deu origem a várias civilizações orientais com essa matriz comum. A cultura islâmica e respectiva civilização deriva do Alcorão e seus ensinamentos etc., etc., etc.
A cultura e civilização greco-romanas, de que nós ocidentais orgulhosamente descendemos teve, no seu trânsito temporal, um profundo e poderoso “enxerto religioso”: o cristianismo. Desde Constantino quase até hoje, o cristianismo foi a religião dominante no Ocidente. E daqui foi exportado para os novos mundos depois das descobertas portuguesas e espanholas.
Sem nunca ter originado Estados teocráticos (em que as leis da religião substituem as leis do Estado, ou em que as leis religiosas são as leis do Estado) a visão cristã do mundo e o consequente normativo moral moldaram a mentalidade de Reis, Imperadores, Senhores Feudais, Banqueiros, Mercadores, Letrados e Homens de Ciência, enfim toda a espécie de poderosos deste mundo. Mas não só: também a arraia-miúda assim pensava e agia em conformidade. Natural era portanto que as leis e outras regras de convivência social reflectissem essa mesma mundividência. Como a reflectiam também usos, costumes, hábitos, ates, etiquetas e todas as mundividências do trabalho ou da convivência. Mesmo os raros não crentes e os menos raros “homens de pouca fé” pautavam os seus juízos e as suas práticas por todo um corpo de doutrina cristão. Mesmo sem pensar nele e não relacionando, as mais das vezes, as suas práticas com os longínquos ensinamentos de Cristo.
Curiosamente, as primeiras vozes anti-cristãs da Europa são, sem o saberem, moldadas por ideais cristãos A famosa tríade “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” – tão republicana, tão (aparentemente) laica, tão anti-antigo regime, tão anti-clerical – era absolutamente impossível antes de Cristo. Ninguém na Civilização greco-romana toleraria estes três conceitos. Nem considerados um por um e muito menos considerados como um conjunto.
Todas as “réplicas” da Revolução Francesa – as francesas e as outras, incluindo as nossas – mais assumida ou mais veladamente se apresentaram como anti-Papa, anti-clericais, anti-religião ou mesmo anti-Cristo. E, paradoxalmente, todas tinham por base um pensamento cristão que usavam como bandeira: a ideia de igualdade entre os homens e da sua obrigação de fraternidade. Quanto a liberdade, era isso que os fazia iguais perante Deus.
Foi assim entre nós em 1820. Foi assim, mais tarde em 1910. É a matriz cristã da cultura europeia que move estes revolucionários Mesmo quando se movem contra a Igreja ou contra os cristãos.
É ainda assim hoje no fundamentalismo laicista (mais polido, mais envernizado, mais politicamente correcto, mas mais hipócrita) do Portugal dos primórdios do sec. XXI. É em nome do conceito cristão de igualdade que negam a liberdade de cada um afirmar a sua Fé.
Ao fazê-lo, entre outros atentados de natureza cívica, longos de enumerar, estão a cometer um atentado contra a cultura.
Os costumes e as tradições do povo português são cultura. A sua cultura – a cultura portuguesa.
Atentar contra a tradição de um povo é atentar contra a sua cultura, contra o seu património cultural imaterial.
Quando os governantes enchem a boca e a propaganda de “cultura” e de “qualificação de portugueses” seria bom que tivessem a cultura e a qualificação suficientes para saberem que estão a atentar contra a cultura quando proíbem usos, tradições ou símbolos religiosos.

Texto de M. Moura-Pacheco publicado no semanário católico “A Ordem”, de 21/02/2008.

terça-feira, março 18, 2008

“A Tradição e a Cultura”

“A tradição faz parte da cultura de um povo. É o chamado património cultural imaterial.
Paradoxalmente, os agentes culturais dividem-se em dois campos antagónicos no que à tradição diz respeito.
Há aqueles que em nome da cultura sacralizam a tradição querendo-a intocável, inatacável e absoluta. Do outro lado há os que vêem a tradição como anti-cultura, a força do imobilismo, o grande obstáculo à criatividade e à inovação; e alguns destes vão mesmo mais longe julgando que qualquer atentado à tradição pode ser considerado como acto cultural.
Felizmente, entre estas duas poderosas hostes há uma pequena força que se opôe a qualquer delas e, como tal, tem nelas dois formidáveis inimigos que a esmagam em poderosa tenaz. Referimo-nos àqueles para quem a tradição é um valor cultural estimável e respeitabilíssimo mas não sagrado nem intocável; para quem a inovação não é herética nem anti-tradição; para quem a tradição se auto-inova dia a dia.
É nesta capacidade de inovar a tradição que se situa o valor cultural da tradição; e é aqui que reside a sua respeitabilidade que devemos defender a todo o custo de visões simplistas e unilaterais.
Quem da tradição tem uma visão crítica sabe esta verdade: que há tradições boas e más, as que são respeitáveis e as que o não são. Nesta perspectiva, é sempre tempo de deixar esmorecer ou mesmo abandonar uma tradição que o tempo e o lugar já não justificam (isto é, já não têm valor cultural) e é sempre tempo de dar origem a novas tradições ou renovar ainda outras.
Aliás, a tradição é de sua natureza auto-regeneradora. “Traditio” é o que transita no tempo, de geração para geração, adaptando-se ao tempo, a novas solicitações e motivações, mudando por isso, a sua forma. Assim, a tradição não é rigida nem fixista: é evolutiva. E se não evolue, morre, deixa de ser tradição para ser recordação.
Para ser valor cultural a tradição deve ser aquilo que é: evolução livre ao longo do tempo. Se forçada – passa a ser um artifício e uma mentira sem qualquer valor culural. E o seu destino, invariávelmente, é a morte.
Ora o peso da religião na tradição é, por isso mesmo, um valor não negligenciável na cultura. Do mesmo modo que a cultura condiciona o modo de ver e viver a religião. Como veremos em próxima crónica.”

In semanário católico “A Ordem”, da autoria de M. Moura-Pacheco.

quinta-feira, março 13, 2008

“O Fundamentalismo laicista (3) ”

"O Laicismo

Chama-se laicidade à separação entre a Igreja e o Estado. Cada uma destas instituições tem as suas normas e leis próprias independentes uma da outra, sem que isso signifique qualquer antagonismo. Pode mesmo haver entendimento e cooperação, regulados através de tratados vulgarmente chamados de “Concordatas”.
Assim sendo, um Estado laico estabelece as suas próprias leis não as subordinando às leis de qualquer Igreja. Inversamente um Estado teocrático faz suas as leis da religião dominante do país.
Em si mesma a laicidade não significa qualquer animosidade perante a religião mas apenas uma separação de águas que, sem prejudicar qualquer religião, permite, contudo, estabelecer o carácter temporal do Estado, independente das Igrejas ou de qualquer outro tipo de poder religioso (cf. Con. Vat. II Const. Gaudium et Spes, nº74, 76). Há mesmo autores católicos que afirmam que face a esta característica de laicidade, o Estado não deve ter “religião estatal” própria, deve mesmo ser a-religioso (mas não anti-religioso) pois a religião cai fora da sua esfera de acção que é meramente temporal. Isto não impede que governantes e legisladores façam reflectir na sua acção política as suas ideias moldadas por um credo a que pertençam.
Se é verdade que a laicidade impede a intervenção da Igreja na vida do Estado também é verdade que impede a intervenção do Estado na vida da Igreja. Inversamente não impede um bom relacionamento, ou mesmo cooperação entre ambos.
Se esta ideia de laicidade se torna uma obsessão, se é promovida a valor supremo que a todos os outros se sobrepõe, se sobretudo se arvora em valor único, então temos a perversão do conceito, o seu efeito contraproducente, a aberração ideológica – é o laicismo.
Este não é a-religioso, mas anti-religioso. Não é neutral, é partidário. Não é a favor de uma boa relação, mas contra qualquer forma de relação ou mesmo a favor de uma relação hostil. É anti-clerical, raivoso, odiento, fanático, em resumo: é anti.
A Europa e Portugal atravessam um período de claro laicismo. Não de laicidade mas de laicismo. Nuns casos mais exacerbado, noutros mais mitigado, mas sempre de laicismo. Que como todos os “ismos” (como todas as absolutizações) é perverso.
Se a retirada dos crucifixos das escolas e hospitais estatais pode ser justificada pela laicidade (sem deixar de ser um atentado à cultura) já a proibição de escolas com nomes de santos ou de uso nas escolas de símbolos pessoais como lenços, estrelas de David ou cruzes é puro e fanático laicismo. Pois eu já vi num programa de rádio, duas “intelectuais” da nossa praça sustentar que devia ser proibido, nos edifícios do Estado, usar um lenço na cabeça, ou uma estrela de David na pulseira, ou uma cruz no fio do pescoço!
Laicismo puro e duro. Primário. Fanático. Estúpido (com a agravante de se mascarar de inteligente)). Numa só palavra laicismo fundamentalista. Com todos os atentados à liberdade."

In Semanário Católico “ A Ordem” de 31/01/08, e da autoria de M. Moura-Pacheco.

terça-feira, março 11, 2008

Interregno na TV

Escrevi há cerca de dois anos um postal a que chamei – Dia da Independência – e nele imaginava o dia em que, por causa de Portugal, da sua sobrevivência como Reino, Pátria ou Mátria, republicanos e monárquicos se haviam de entender num mínimo denominador comum, essa plataforma impossível de extinguir, e que faz a diferença entre ser e não ser português. A responsabilidade maior desse gesto caberia, segundo aquilo que senti na altura, aos republicanos uma vez que são eles que detêm o poder e foram eles que iniciaram um processo, que admitindo que se quis diferente, não trouxe a esperança nem a coesão nacional pretendidas.
O facto da realização de um programa específico para tratar de tema tão proibido e o facto não menos importante de ter contado com a participação, quer de um lado quer do outro, de personalidades com peso indiscutível, é talvez a prova de que foi esboçado um primeiro gesto na busca de um caminho novo, de uma saída para Portugal. Em vésperas de um centenário que será oportunidade histórica para o regresso à Lusitana Antiga Liberdade, não quero cultivar ilusões, nem sequer tecer críticas sobre o que gostei ou não gostei de ouvir no debate, prefiro conter-me e realçar os aspectos positivos, que os houve, não apenas para a Causa Real, mas sobretudo para o futuro dos portugueses.

domingo, março 09, 2008

Duzentos anos depois…

Enquanto os dois Silvas cavaqueavam no imponente cenário da Real Biblioteca do Rio de Janeiro, a nossa ‘cavaquita’ folheava distraidamente a sua ignorância, num livro que provavelmente dava conta do sucedido…

“… O porto encheu-se de barcos de pesca e os que queriam saudar a família real alinhavam-se no cais. Entre a multidão encontrava-se a figura franzina de Luís Gonçalves dos Santos, um padre brasileiro… que acabaria por escrever um detalhado relato da estada da família real na sua cidade natal.

“Faltavam dois minutos para as três, de uma tarde muito fresca, bela e agradável, daquele que seria para sempre um dia memorável, 7 de Março (1808), e que desde a madrugada, o próprio sol nos tinha anunciado como um dos mais afortunados para o Brasil… como se regozijaria por testemunhar a entrada triunfante do primeiro soberano da Europa na mais afortunada cidade do Novo Mundo”…
“ao som destas salvas de saudação, que podiam ser ouvidas num raio de quilómetros, e do alegre repicar dos sinos das igrejas, todos exultavam, e homens, mulheres, velhos e crianças corriam ansiosos por verem a extraordinária entrada da esquadra real.”

“No dia seguinte, a família real desembarcou. Fez-se um silêncio reverente quando o bergantim se moveu lentamente da frota para o embarcadouro. Atracou em frente da praça principal – uma clareira pavimentada a granito – que dava para a baía onde, no topo de uma rampa, tinha sido montado um altar. Chegada ao altar, a família real prostrou-se e foi aspergida por uma leve chuva de água benta. Daí, sob o palio, a comitiva caminhou numa lenta procissão, através da praça, para a catedral carmelita onde se rezava e dava graças pela conclusão bem sucedida de tão longa e perigosa viagem…”.

Louve-se, apesar de tudo, a memória dos dois países irmãos que tudo fizeram para abrilhantar a celebração deste acontecimento, e à qual faltou apenas a presença de um pai.

Fonte: Excerto da obra de Patrick Wilcken – “Império à deriva”.

sábado, março 08, 2008

Hoje é dia…

Hoje é dia de São João de Deus

O seu nome era Cidade, Montemor onde nasceu, e serviu na mocidade, por Castela se perdeu… e foi pastor e soldado, entre os grandes combateu, não tinha Deus nem cidade, mil ofícios padeceu!
Até que um dia um sermão, a cidade emudeceu – quem o ouviu foi João, que aos gritos se converteu:
- Meu senhor, Misericórdia, sou teu servo e teu irmão!
- Meu Senhor, Misericórdia, sou teu servo e teu irmão!
O seu nome era Cidade, para a cidade irrompeu... na rua, na insanidade, a miséria recolheu!
Foi assim João Cidade que o mundo então conheceu: levou Deus para a cidade, nunca mais se arrependeu!
Levou Deus para a cidade… esta cidade sem Deus.

São João de Deus é também o patrono do Vale de Acór, instituição de bem fazer que completa hoje catorze anos!
Parabéns.

sexta-feira, março 07, 2008

“O Fundamentalismo laicista (2) ”

2. Fundamentalismo

“Este vocábulo é relativamente novo na língua portuguesa.
(…) A palavra “fundamentalismo” aparece ligada a ideias religiosas. Um dos primeiros dicionários portugueses a darem-lhe honras de entrada foi o da Academia das Ciências de Lisboa que define “fundamentalismo” desta maneira: ‘Corrente religiosa, de tendências conservadoras que defende fidelidade total à interpretação literal das Escrituras’ (sublinhados nossos).
A definição está certa, mas a nosso ver, incompleta. Originariamente aplicava-se ao movimento que se desenvolveu nos círculos protestantes dos Estados Unidos da América, a seguir à Primeira Grande Guerra, em defesa dos “fundamentos” da doutrina tradicional da Reforma, particularmente o axioma da veracidade da Bíblia, interpretada literalmente. E o movimento com este nome na língua inglesa – fundamentalism – apareceu e desenvolveu-se como reacção a tendências chamadas “modernistas” de interpretação da criação do mundo e do homem, (como, por exemplo as de Darwin). Nessa época nos E.U. primeiro e no resto do mundo depois, tornou-se clássica a polémica religiosa entre “modernismo” e “fundamentalismo”, entendido este, de forma genérica, como fidelidade intransigente à interpretação tradicional protestante (ou seja) interpretação literal das Escrituras.
O vocábulo surgiu assim para designar um conceito novo, de índole caracteristicamente luterana.
Mas como todas as palavras de uma língua viva, também esta estava sujeita ao conhecido fenómeno linguístico da evolução semântica. E, a breve trecho, deixou de ser um conceito luterano para, mais genericamente, passar a ser um conceito religioso: a defesa intransigente e cega da interpretação literal e acrítica de textos sagrados de qualquer religião.
E foi assim que alguns Papas, algumas instituições ou alguns momentos históricos da Igreja Católica foram apelidados de “fundamentalistas”. Restaria saber – mas agora não nos vamos ocupar disso – se a atribuição do epíteto não resultara, ela própria, de uma visão “fundamentalista”.
O conceito foi alastrando de religião para religião e rapidamente chegou ao tão triste e assustadoramente célebre “fundamentalismo islâmico”. Mas aqui com uma força avassaladora nova: é que se trata de um “fundamentalismo” tão fundamentalista (passe a redundância) que extravasa do plano religioso para o político, na medida em que não há diferença entre lei religiosa e lei civil dado que esta é substituída por aquela, levando a que a própria sociedade civil adopte atitudes e comportamentos fundamentalistas.
Mas a evolução semântica não parou aqui nas fronteiras do religioso. E o conceito de “fundamentalismo” passou a aplicar-se a outros textos e doutrinas que nada têm de religiosos. Ou bem pelo contrário.
É assim que podemos hoje dizer que o leninismo é uma interpretação fundamentalista do marxismo. Ou que o maoísmo é, por sua vez, uma interpretação fundamentalista do marxismo-leninismo. Como é também assim que hoje se pode falar de “fundamentalismo económico” (vulgo economicismo) ou “fundamentalismo capitalista” ou “fundamentalismo liberal”. Ou no “fundamentalismo” que pode atingir qualquer doutrina: religiosa, política, filosófica, literária, artística ou moral.
Resta de tudo isto – e qualquer que seja o ângulo de abordagem – a permanência da intransigência, da interpretação literal e da ausência crítica.
Assim são adoptadas atitudes e desenvolvidos comportamentos baseados no seguimento cego e fidelíssimo de doutrinas sem atender às circunstâncias da época, às subtilezas da linguagem, à sua razão de ser, ao seu enquadramento cultural, isto é, sem a tentativa de qualquer interpretação e assimilação.
“Fundamentalismo” é, assim, a leitura primária de anteriores leituras primárias de um texto, qualquer que ele seja; e o procedimento primário que dessa leitura resulta. Nem a leitura nem o procedimento consequente beneficiam de uma centelha de inteligência, de lucidez, de subtileza, de conhecimento ou de capacidade crítica. Ou mesmo de uma gota de bondade.
Em resumo: “fundamentalismo” é o reino da estupidez. Malévola, as mais das vezes.”

Transcrito, com a devida vénia, do semanário católico “A Ordem” – nº 34 de 24/01/2008 – e da autoria de M. Moura-Pacheco.

quinta-feira, março 06, 2008

“O Fundamentalismo Laicista”

1. Introdução

“A Europa atravessa uma fase de fundamentalismo laicista.
O primeiro grande sinal – pelo menos o primeiro visível – foi a discussão sobre as origens cristãs do pensamento europeu e, consequentemente, da civilização e cultura europeias. Atitudes e comportamentos anti-cristãos, assumida ou disfarçadamente, começaram então a manifestar-se na legislação da Europa comunitária. À medida que alastra, esta mancha ideológica vai-se progressivamente radicalizando e mesmo fanatizando. O que significa dizer por outras palavras: “deseuropeizando”. Porque os radicalismos e os extremismos são a antítese do moderno pensamento europeu.
À liberdade democrática (essa, sim, verdadeiramente europeia) de não ser religioso, ou de não ser cristão, sucede-se a liberdade (profundamente anti-democrática) de atentar contra a liberdade de outros o serem.
Tudo se passa a coberto da ideia de Estado laico ou separação entre a Igreja e o Estado – o que é um princípio profundamente democrático que deixa a cada indivíduo decidir, no foro da sua consciência, o credo e respectivas normas de conduta a que quer aderir. O Estado nada lhe impõe nessa matéria. Como nessa matéria nada lhe impede. Só que esta ideia – como qualquer outra mas mais facilmente do que qualquer outra – é muito susceptível de ser prontamente subvertida e pervertida. Basta exagerar para além de todos os limites para perverter o bom em mau, o legítimo em ilegítimo, o justo no injusto. É assim que a separação entre Estado e Igreja se transforma em perseguição do Estado à Igreja, em opressão, em limitação. Raramente assumida mas sempre “civilizadamente” justificada. É a transformação do Estado Laico em Estado Laicista; é a tolerância religiosa europeia transformada no fundamentalismo laicista digno de qualquer país do terceiro mundo.

Como “bom aluno” da nascente União Europeia, Portugal não escapa a esta moda ideológica. E – como é costume dos alunos que se põem de dedo no ar para chamar a atenção do mestre para a sua perspicácia e precocidade – tenta mesmo, nesta e noutras matérias, mostrar a sua aplicação e adiantamento. Só que – parece-me – muitos portugueses não reparam. Desiludidos ou alheados da Federação nascente só darão pela ditadura ideológica mascarada de democracia de ideias quando esta lhes tolher o pensamento e a acção.
Por isso gostaria de aqui ensaiar e partilhar algumas reflexões sobre o emergente fenómeno do “fundamentalismo laicista”…”
(Continua)

Com a devida vénia, transcrevi o primeiro de vários artigos sobre o tema, publicados no jornal semanário “A Ordem”, (a partir de 17/01/2008), da autoria do seu Director – M. Moura-Pacheco.

quarta-feira, março 05, 2008

Uma decisão irresponsável

É o mínimo que se me oferece dizer sobre a infeliz e curiosa decisão da Comissão Disciplinar da Liga a propósito do ‘caso Meyong’!
Depois disto, e desde a primeira jornada deste campeonato, nenhum jogo ou resultado estão garantidos, o futebol em Portugal passou a ser um espectáculo em diferido, e os diversos intervenientes, desde os jogadores ao público, meros figurantes de um filme que não se sabe quando e como acaba! Usando menos palavras, diria que o futebol português não é credível. Com efeito, a mera possibilidade de se descobrir algum erro, doloso ou não, nos documentos oficiais que garantem a inscrição e o licenciamento de qualquer jogador, pode, pelos vistos, colocar tudo em causa, porque aqueles documentos afinal nada garantem! Descoberto o erro, seja por quem for, o clube onde o jogador actuou, passa a ser o único responsável pelas consequências do erro e perderá gentilmente na secretaria os pontos que ganhou no campo. Apenas haverá que indagar se houve dolo ou negligência por parte do dito clube para, neste último caso, lhe amenizar a pena!
Nestas condições, é preciso averiguar para que servem os documentos ‘necessários’ para a inscrição e licenciamento (são obviamente coisas diferentes) dos jogadores, para que servem os carimbos da Federação e da Liga, e se a importância cobrada por estas entidades tem o carácter de taxa, imposto ou gorjeta!
Já agora, para que servem a Federação e a Liga!
Saudações azuis.

sábado, março 01, 2008

“Com uma certa razão…”

Vasco Pulido Valente tem vindo a refinar com o tempo, o que significa que os momentos lúcidos são cada vez mais frequentes! Sobre o ‘mal-estar difuso’, que também glosei, escreve ele no jornal ‘Público’:

“ (…) Desde o princípio do século XVIII que Portugal quis ser ‘como a Europa’ e até hoje infelizmente não conseguiu. A cada revolução, a cada guerra civil, a cada regime, o indígena prestável, alfabeto, e ‘modernizante’ supunha que chegara ‘o dia’. E ‘o dia’ invariavelmente não chegava. (…) O português copiava com devoção o que via ‘lá fora’. Mas não saía da sua inferioridade e do seu atraso. No meio desta persistente desgraça, Portugal julgou três vezes que se aproximava da Europa: durante os primeiros tempos da ‘Regeneração’, durante o ‘fontismo’ e durante o ’cavaquismo’. Ao todo, trinta e tal anos de uma ordem política ‘civilizada’ e de um crescimento razoável. Mesmo assim, os fundamentos destes raríssimos milagres não eram sólidos. Nos três casos (embora com um ligeiro atraso), uma crise financeira pôs fim à festa e voltou a velha angústia nacional, a que por aí se convencionou chamar ‘mal-estar difuso’. O ‘mal-estar difuso’ é simplesmente o regresso à realidade. Portugal não tem meios para o Estado-providência e a espécie de vida que os portugueses reclamam. E como não tem, toda a gente se agita e ninguém faz nada com sentido. Esta fase também é conhecida.”

Este é um tema inesgotável e por mais voltas que a gente dê… desagua sempre no Atlântico, e eu acrescentaria, na Lusitana Antiga Liberdade, única fórmula a meu ver viável (e foi) de garantirmos a existência ou sobrevivência de um país, à partida inviável.
.
Fonte: Jornal 'Público' de 29/02/08.