Anuncia-se a realização de um referendo, com vista à legalização do aborto (eufemisticamente chamado interrupção voluntária da gravidez), praticado até às dez semanas de gestação.
Mesmo dando de barato que o direito à vida é referendável - que não é, já que a vida é um valor absoluto – e deixando de lado a discussão estéril entre despenalização e legalização, não podemos ficar indiferentes quanto à opção a tomar perante esta reforma legislativa, apresentada como prioridade das prioridades pelos senhores que nos governam.
A Lei a referendar prevê a possibilidade da prática do aborto, até às dez semanas de gestação do feto, sem qualquer restrição, isto é, a mulher grávida pode abortar, dentro daquele limite temporal, se isso lhe der na real gana, ou seja sem qualquer razão supostamente justificativa do acto.
E é assim porque para as situações em que o aborto é praticado por malformação do feto, risco de vida para a mãe e gravidez provocada por violação, já são justificadas à face da lei vigente.
Mas se assim é, pergunta-se:
- Porquê até às dez semanas e não até aos seis anos de idade?
- Ou a partir dos oitenta anos?
São perfeitamente descabidas as perguntas?
Vejamos.
No estádio actual do conhecimento científico, uma coisa é certa: desde o momento da concepção e até ao nascimento da criança nada mais do exterior é acrescentado.
Então, só podemos concluir que, a partir da dita concepção, o mesmo ser que irá nascer, completado que seja o período de gestação, já existe enquanto tal, tendo apenas que passar por várias fases de evolução até estar pronto para nascer, como já todos (ou grande parte) tivemos ocasião de observar, através de ecografias, que mostram precisamente as várias fases do desenvolvimento da criança na barriga da mãe.
Dizia há tempos uma brilhante representante da nossa classe política, argumentando em defesa da legalização do aborto, que o feto em formação não era mais que um amontoado de células.
Ora, o iluminado intelecto esquece-se que amontoado de células também ela é, só que, numa outra fase do desenvolvimento.
Na verdade, ninguém põe em causa que um recém-nascido não é igual a uma criança de dez anos, que, por sua vez, não é igual a um adulto de trinta, o qual, por seu turno, não é igual a um de oitenta.
Embora, em todas as situações apontadas estejamos a falar de uma pessoa humana, estamos a considerá-la em diferentes fases da sua vida e desenvolvimento.
O mesmo se passa com o bebé que vai nascer, a partir do momento da concepção.
A opção está entre matar ou não matar.
Quando a nossa lei penal inclui o aborto nos chamados crimes contra a vida intra-uterina, está, logicamente, a pressupor que o que está em causa, com a incriminação de tal conduta, é a defesa de uma vida.
Mas, se assim é, e se é uma pessoa que vai nascer, então trata-se, necessariamente, de uma vida HUMANA.
Então, porque é que a nossa lei penal não classifica o aborto como crime de homicídio?
A razão encontra-se, por um lado, na coerência que tem que existir no nosso sistema jurídico, considerado na sua globalidade, e prende-se com a circunstância do Código Civil considerar que a personalidade jurídica (susceptibilidade de se ser titular de direitos e obrigações) se adquire no momento do nascimento completo e com vida.
Mas tal circunstância mais não é que uma ficção legal – à semelhança do que sucede quando se considera que a maioridade se adquire aos 18 anos ou que a imputabilidade criminal (possibilidade de se ser criminalmente responsabilizado) começa aos 16 – em homenagem ao princípio da segurança jurídica.
Na verdade, segurança e certeza são dois princípios informadores de qualquer sistema jurídico, dito civilizado, sendo que, nem sempre os dois se compatibilizam, tendo que se dar primazia a um ou outro, conforme as circunstâncias, segundo opções de política legislativa.
Encontra-se a razão, por outro lado, no facto de não se querer assumir, na nossa lei penal, que o início da vida coincide com o momento da concepção, aqui em homenagem ao princípio da certeza.
Mas, se, como acima se disse, desde o momento da concepção e até ao nascimento da criança nada mais do exterior é acrescentado, que mais certezas precisamos ?
A resposta buscá-la-á cada um com a sua própria inteligência.
Também oiço dizer, admito que por comodismo, que a questão de fazer ou não aborto é da consciência de quem toma essa opção.
Que novidade!
Mas será que a prática (ou a abstenção da prática) de qualquer conduta classificada como crime não se reconduz, sempre a uma opção de consciência?
Tem que reconduzir-se, necessariamente, senão não é considerada como tal.
O que está em causa não é isso, a questão não é essa.
Não se trata, com a opção legislativa de criminalizar o aborto livre em qualquer altura, de julgar consciências, mas de traduzir, através da lei, a escala de valores que queremos que norteiem a nossa sociedade.
Justificações já as há, legalmente previstas, para as situações que as reclamam e o embuste das mulheres perseguidas gratuitamente, não passa disso mesmo (de um embuste).
O que a Lei não pode (não deve) é atender a interesses puramente egoístas ou tentativas de não assumir a responsabilidade pelos actos praticados.
E aqui entra a questão acima colocada – porque não a liberalização (do aborto ou do homicídio) até aos seis anos de idade?
Não seria a idade indicada para se concluir se um filho era ou não desejado ou se era economicamente comportável o respectivo sustento e educação?
Até se evitariam, porventura, despesas acrescidas ao Estado, já que era a altura de entrar na escola …
Acham cínico? Talvez não tanto como parece …
E o mesmo se diga quanto à liberalização do homicídio, a partir dos oitenta anos (desde que cometido por filho ou parente que conviva com a vítima há mais de um ano). As razões são as mesmas.
Ou não é verdade que, muitas vezes, os filhos não podem (ou não querem) tomar conta dos pais, ou não têm “capacidade psicológica” para isso, e têm que arrumá-los em lares, quantas vezes degradantes.
Não seria mais digno “arrumar” logo o assunto?
Podem estar certos que a proposta que querem aprovar, a vingar, mais tarde ou mais cedo conduzirá à aceitação de todas estas situações.
Dizia, há bem pouco tempo, um também brilhante líder de grupo parlamentar da nossa praça que a liberalização do aborto até às dez semanas se impõe, para se pôr fim à vergonha que se traduz na situação actual da nossa Lei, face aos demais países da Europa.
VERGONHA, senhor deputado, é consagrar-mos a legalização de um crime, que se irá traduzir num holocausto maior e mais vil do que qualquer outro (de direita ou de esquerda) cometido ao longo da História.
E bastariam estas razões, se outras igualmente ponderosas não existissem, para que, como defensor da vida, tivesse que manifestar a minha mais vigorosa rejeição pela vergonhosa lei que vai a referendo.
Impõe-se que todos votemos NÃO.
Lisboa, Janeiro de 2007
António Parreira de la Cerda
(Juiz de Direito)
Publicado também no Blog “Pela Vida”. É o primeiro link na coluna da direita.
Mesmo dando de barato que o direito à vida é referendável - que não é, já que a vida é um valor absoluto – e deixando de lado a discussão estéril entre despenalização e legalização, não podemos ficar indiferentes quanto à opção a tomar perante esta reforma legislativa, apresentada como prioridade das prioridades pelos senhores que nos governam.
A Lei a referendar prevê a possibilidade da prática do aborto, até às dez semanas de gestação do feto, sem qualquer restrição, isto é, a mulher grávida pode abortar, dentro daquele limite temporal, se isso lhe der na real gana, ou seja sem qualquer razão supostamente justificativa do acto.
E é assim porque para as situações em que o aborto é praticado por malformação do feto, risco de vida para a mãe e gravidez provocada por violação, já são justificadas à face da lei vigente.
Mas se assim é, pergunta-se:
- Porquê até às dez semanas e não até aos seis anos de idade?
- Ou a partir dos oitenta anos?
São perfeitamente descabidas as perguntas?
Vejamos.
No estádio actual do conhecimento científico, uma coisa é certa: desde o momento da concepção e até ao nascimento da criança nada mais do exterior é acrescentado.
Então, só podemos concluir que, a partir da dita concepção, o mesmo ser que irá nascer, completado que seja o período de gestação, já existe enquanto tal, tendo apenas que passar por várias fases de evolução até estar pronto para nascer, como já todos (ou grande parte) tivemos ocasião de observar, através de ecografias, que mostram precisamente as várias fases do desenvolvimento da criança na barriga da mãe.
Dizia há tempos uma brilhante representante da nossa classe política, argumentando em defesa da legalização do aborto, que o feto em formação não era mais que um amontoado de células.
Ora, o iluminado intelecto esquece-se que amontoado de células também ela é, só que, numa outra fase do desenvolvimento.
Na verdade, ninguém põe em causa que um recém-nascido não é igual a uma criança de dez anos, que, por sua vez, não é igual a um adulto de trinta, o qual, por seu turno, não é igual a um de oitenta.
Embora, em todas as situações apontadas estejamos a falar de uma pessoa humana, estamos a considerá-la em diferentes fases da sua vida e desenvolvimento.
O mesmo se passa com o bebé que vai nascer, a partir do momento da concepção.
A opção está entre matar ou não matar.
Quando a nossa lei penal inclui o aborto nos chamados crimes contra a vida intra-uterina, está, logicamente, a pressupor que o que está em causa, com a incriminação de tal conduta, é a defesa de uma vida.
Mas, se assim é, e se é uma pessoa que vai nascer, então trata-se, necessariamente, de uma vida HUMANA.
Então, porque é que a nossa lei penal não classifica o aborto como crime de homicídio?
A razão encontra-se, por um lado, na coerência que tem que existir no nosso sistema jurídico, considerado na sua globalidade, e prende-se com a circunstância do Código Civil considerar que a personalidade jurídica (susceptibilidade de se ser titular de direitos e obrigações) se adquire no momento do nascimento completo e com vida.
Mas tal circunstância mais não é que uma ficção legal – à semelhança do que sucede quando se considera que a maioridade se adquire aos 18 anos ou que a imputabilidade criminal (possibilidade de se ser criminalmente responsabilizado) começa aos 16 – em homenagem ao princípio da segurança jurídica.
Na verdade, segurança e certeza são dois princípios informadores de qualquer sistema jurídico, dito civilizado, sendo que, nem sempre os dois se compatibilizam, tendo que se dar primazia a um ou outro, conforme as circunstâncias, segundo opções de política legislativa.
Encontra-se a razão, por outro lado, no facto de não se querer assumir, na nossa lei penal, que o início da vida coincide com o momento da concepção, aqui em homenagem ao princípio da certeza.
Mas, se, como acima se disse, desde o momento da concepção e até ao nascimento da criança nada mais do exterior é acrescentado, que mais certezas precisamos ?
A resposta buscá-la-á cada um com a sua própria inteligência.
Também oiço dizer, admito que por comodismo, que a questão de fazer ou não aborto é da consciência de quem toma essa opção.
Que novidade!
Mas será que a prática (ou a abstenção da prática) de qualquer conduta classificada como crime não se reconduz, sempre a uma opção de consciência?
Tem que reconduzir-se, necessariamente, senão não é considerada como tal.
O que está em causa não é isso, a questão não é essa.
Não se trata, com a opção legislativa de criminalizar o aborto livre em qualquer altura, de julgar consciências, mas de traduzir, através da lei, a escala de valores que queremos que norteiem a nossa sociedade.
Justificações já as há, legalmente previstas, para as situações que as reclamam e o embuste das mulheres perseguidas gratuitamente, não passa disso mesmo (de um embuste).
O que a Lei não pode (não deve) é atender a interesses puramente egoístas ou tentativas de não assumir a responsabilidade pelos actos praticados.
E aqui entra a questão acima colocada – porque não a liberalização (do aborto ou do homicídio) até aos seis anos de idade?
Não seria a idade indicada para se concluir se um filho era ou não desejado ou se era economicamente comportável o respectivo sustento e educação?
Até se evitariam, porventura, despesas acrescidas ao Estado, já que era a altura de entrar na escola …
Acham cínico? Talvez não tanto como parece …
E o mesmo se diga quanto à liberalização do homicídio, a partir dos oitenta anos (desde que cometido por filho ou parente que conviva com a vítima há mais de um ano). As razões são as mesmas.
Ou não é verdade que, muitas vezes, os filhos não podem (ou não querem) tomar conta dos pais, ou não têm “capacidade psicológica” para isso, e têm que arrumá-los em lares, quantas vezes degradantes.
Não seria mais digno “arrumar” logo o assunto?
Podem estar certos que a proposta que querem aprovar, a vingar, mais tarde ou mais cedo conduzirá à aceitação de todas estas situações.
Dizia, há bem pouco tempo, um também brilhante líder de grupo parlamentar da nossa praça que a liberalização do aborto até às dez semanas se impõe, para se pôr fim à vergonha que se traduz na situação actual da nossa Lei, face aos demais países da Europa.
VERGONHA, senhor deputado, é consagrar-mos a legalização de um crime, que se irá traduzir num holocausto maior e mais vil do que qualquer outro (de direita ou de esquerda) cometido ao longo da História.
E bastariam estas razões, se outras igualmente ponderosas não existissem, para que, como defensor da vida, tivesse que manifestar a minha mais vigorosa rejeição pela vergonhosa lei que vai a referendo.
Impõe-se que todos votemos NÃO.
Lisboa, Janeiro de 2007
António Parreira de la Cerda
(Juiz de Direito)
Publicado também no Blog “Pela Vida”. É o primeiro link na coluna da direita.
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