“ (…) Onde quer que se coloque o início da nossa decadência – da decadência resultante do formidável esforço com que realizámos as descobertas e as conquistas – aí se deve colocar o início da grande ruptura de equilíbrio, que se deu na vida nacional. Com a dispersão por todo o mundo, e a morte em tantos combates, precisamente daqueles elementos que criavam o nosso progresso, o nosso pequeno povo foi pouco a pouco ficando reduzido aos elementos apegados ao solo, aos que a aventura não tentava, a quantos representavam as forças que em uma sociedade, instintivamente reagem contra o avanço. É um dos casos mais visíveis da criação de uma predominância das forças conservadoras. Com isto, visto à luz do que se explicou, queda revelado o porquê da nossa decadência.
(…) A Restauração, livrando-nos da maior vergonha externa, não nos livrou, nem trouxe quem nos livrasse, da vergonha interna paralela. Ficamos independentes como país e dependentes como indivíduos. Tornámos a ser portugueses de nacionalidade, mas nunca mais tornamos a ser portugueses de mentalidade. Nem portugueses, nem nada.
Só da obra do Marquês de Pombal alguma coisa ficou, e isso, não pela energia do homem, nem mesmo pelas suas grandes qualidades de organizador, mas pelo ponto de apoio que deu a essa obra – o desenvolvimento industrial e comercial do país. O que Pombal criou, porém, sumiu-se com as invasões francesas. Depois dela a nossa desnacionalização teve o seu período abísmico: só o nome da nossa independência nos ficou.
Pode, à primeira vista, parecer que a implantação do constitucionalismo representa mais uma reacção do espírito progressivo contra o peso do tradicionalismo. O constitucionalismo, porém, foi uma coisa muito diferente: foi um simples fenómeno de desnacionalização. Longe de suspender a nossa decadência, vincou bem que estávamos em decadência. Uma reacção do espírito progressivo procuraria reformar a nossa antiga monarquia, procuraria estimular energias, modificar o nosso modo de não ser económico. Reacção do espírito progressivo foi a obra de Pombal. O constitucionalismo, porém, não fez senão trazer-nos um regime político inteiramente estranho a toda a nossa vida nacional, inteiramente inadaptável a todas as condições, materiais como culturais, da nossa verdadeira índole. Destruiu e explodiu inútil e estupidamente, tendo em mira apenas a nossa impossível adaptação a um regime que nenhum sentimento português queria, e que a toda a inteligência verdadeiramente portuguesa repugnava. O resultado foi aquela política que todos nós conhecemos, e que em oitenta anos o afundou. Foi isto o constitucionalismo – um 1640 feito por Miguel de Vasconcelos.
(…) O que se diz do constitucionalismo pode dizer-se sem perigo de errar, da implantação da República. Nenhuma reacção do espírito progressivo a instaurou; foi um fenómeno ainda mais adiantado da nossa decadência, da nossa desnacionalização. Se o regime constitucional pouquíssimos pontos de contacto tem com quanto em nós seja português, a república francesa que implantaram em Portugal não tem, então, nenhum. Uma reacção verdadeira do espírito progressivo, se achasse indispensável acabar com o sistema constitucional, só o teria feito para reconstruir o nosso antigo sistema de regime, ainda que o fizesse (conceda-se) sob a forma republicana…”
Fernando Pessoa
“Ideias Políticas – Como organizar Portugal” (excerto)
(…) A Restauração, livrando-nos da maior vergonha externa, não nos livrou, nem trouxe quem nos livrasse, da vergonha interna paralela. Ficamos independentes como país e dependentes como indivíduos. Tornámos a ser portugueses de nacionalidade, mas nunca mais tornamos a ser portugueses de mentalidade. Nem portugueses, nem nada.
Só da obra do Marquês de Pombal alguma coisa ficou, e isso, não pela energia do homem, nem mesmo pelas suas grandes qualidades de organizador, mas pelo ponto de apoio que deu a essa obra – o desenvolvimento industrial e comercial do país. O que Pombal criou, porém, sumiu-se com as invasões francesas. Depois dela a nossa desnacionalização teve o seu período abísmico: só o nome da nossa independência nos ficou.
Pode, à primeira vista, parecer que a implantação do constitucionalismo representa mais uma reacção do espírito progressivo contra o peso do tradicionalismo. O constitucionalismo, porém, foi uma coisa muito diferente: foi um simples fenómeno de desnacionalização. Longe de suspender a nossa decadência, vincou bem que estávamos em decadência. Uma reacção do espírito progressivo procuraria reformar a nossa antiga monarquia, procuraria estimular energias, modificar o nosso modo de não ser económico. Reacção do espírito progressivo foi a obra de Pombal. O constitucionalismo, porém, não fez senão trazer-nos um regime político inteiramente estranho a toda a nossa vida nacional, inteiramente inadaptável a todas as condições, materiais como culturais, da nossa verdadeira índole. Destruiu e explodiu inútil e estupidamente, tendo em mira apenas a nossa impossível adaptação a um regime que nenhum sentimento português queria, e que a toda a inteligência verdadeiramente portuguesa repugnava. O resultado foi aquela política que todos nós conhecemos, e que em oitenta anos o afundou. Foi isto o constitucionalismo – um 1640 feito por Miguel de Vasconcelos.
(…) O que se diz do constitucionalismo pode dizer-se sem perigo de errar, da implantação da República. Nenhuma reacção do espírito progressivo a instaurou; foi um fenómeno ainda mais adiantado da nossa decadência, da nossa desnacionalização. Se o regime constitucional pouquíssimos pontos de contacto tem com quanto em nós seja português, a república francesa que implantaram em Portugal não tem, então, nenhum. Uma reacção verdadeira do espírito progressivo, se achasse indispensável acabar com o sistema constitucional, só o teria feito para reconstruir o nosso antigo sistema de regime, ainda que o fizesse (conceda-se) sob a forma republicana…”
Fernando Pessoa
“Ideias Políticas – Como organizar Portugal” (excerto)
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