terça-feira, fevereiro 19, 2019

'Deus é de esquerda ou de direita'?


Num tempo de vergonha e negação daquilo que realmente somos lembrei-me de André Frossard e deste texto no seu livro 'Deus em questões'. Diz ele:

Eis uma pergunta que poderíamos chamar recreativa. Poderíamos situar Deus na direita, na medida em que nos impõe mandamentos que não foram objecto de nenhuma consulta prévia, mas poderíamos igualmente imaginá-lo na esquerda, uma vez que perdoa as nossas infracções, o que a direita sempre tem dificuldade em fazer. Seria indelicado considerá-lo 'centrista' sob pretexto de que, segundo Pascal, o universo é um circulo cujo centro está em toda a parte e a circunferência em lugar nenhum. Para resolver a questão, seria necessário estabelecer uma distinção nítida entre a esquerda e a direita. Ora, desde a morte das ideologias, que expiraram sob os nossos olhos, a diferença entre os dois partidos prende-se apenas a uns matizes verbais.

No entanto, existem sempre 'homens de esquerda' e 'homens de direita' que em nada se assemelham, mesmo quando praticam a mesma política.

Poderíamos fazer remontar a questão até ao pecado original e dizer que o homem de esquerda não acredita nele, enquanto o homem de direita acredita de tal forma nele que lhe custa aceitar a Redenção. É mais simples porém afirmar que o homem de esquerda julga proceder segundo o seu coração, o homem de direita segundo a sua razão, e que ambos se enganam. Quanto a Deus, não o vemos à vontade nem num nem noutro partido, e bem podemos perguntar-nos se não terá sido Ele quem inspirou esta sentença à nossa Simone Weil, cujo génio começa onde termina o de Pascal: - “É preciso estar sempre pronto a mudar de campo com a justiça, essa perpétua fugitiva do campo dos vencedores”.

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