sábado, fevereiro 22, 2020

Agora já os conhecemos melhor


Se alguma coisa teve de útil a votação da eutanásia foi o facto de passarmos a conhecer melhor os deputados que temos. Isto não resolve as deficiências de representação do actual sistema eleitoral mas sempre é melhor que nada. A partir de agora, e em próximas eleições, só vota enganado quem gostar de ser enganado. Convém entretanto desmistificar o ilusionismo político que anda associado a expressões tais como - 'causas fracturantes', 'voto em consciência' e outras anormalidades do género. Vamos por partes:

São as 'causas fracturantes' que justificam a existência dos partidos pois se elas não fracturassem seria bem melhor, e mais barato, vivermos no sossego da antiga união nacional. São elas que obrigam a escolhas decisivas, quer dos eleitores na hora de votar, quer na disponibilidade de quem se habilita a ser o representante dessas mesmas escolhas. Ou seja, ninguém escolhe um partido por causa do défice, mas sim pelos valores que defende. Isto parece-me óbvio. E só não é óbvio quando o cardápio de partidos, fruto de uma constituição enviezada, apenas tem permitido escolhas entre a fome e a vontade comer!

Mas continuando com o nosso exercício chegamos ao 'voto em consciência', uma expressão intencionalmete confusa e com pano para mangas. Senão vejamos: - à primeira vista parece que os deputados só votam em consciência quando estão na presença das ditas causas fracturantes! Mas como isto seria absurdo logo vem alguém explicar-nos que 'votar em consciência' significa liberdade de voto, ausência de disciplina partidária, e que os deputados votam como entenderem! O que também não me parece bem e pode até ser motivo para preocupações acrescidas. Explico: - o que é suposto é os deputados votarem em representação dos seus eleitores e não por sua conta e risco! E começa a desabar o edifício da propaganda enganosa.

Aliás e se virmos bem, na votação da eutanásia tudo decorreu como era expectável com a excepção, talvez, do PCP. Mas já lá vamos. Assim, os deputados dos cinco partidos proponentes, votaram todos (em consciência) as respectivas propostas. Nem podia ser de outra maneira. Uma ou outra dissonância no PS não teve qualquer significado. E quanto aos partidos que se esperava que votassem contra (CDS e Chega) também votaram contra. Resta então explicar o voto contra do PCP, porque os votos dos deputados do PSD, partido em crise de identidade praticamente desde que nasceu, já não surpreendem ninguém.

E finalmente o PCP! Fechada há muito a sede em Moscovo, a obediente filial portuguesa não teve outro remédio senão transformar-se num partido conservador, nacional sindicalista, cuja única preocupação é sobreviver mantendo os bastiões que lhe restam – os sindicatos da função pública e algumas autarquias da saudosa reforma agrária. Assim, em decadência, em sofrimento intolerável, resistiu à eutanásia com que os seus parceiros de esquerda lhe acenaram, e não quis suicidar-se. Fez bem. 'Não matem', disse Jerónimo de Sousa, a frase mais católica que ouvi por estes dias!

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