Se alguma coisa teve de
útil a votação da eutanásia foi o facto de passarmos a conhecer
melhor os deputados que temos. Isto não resolve as deficiências de
representação do actual sistema eleitoral mas sempre é melhor que
nada. A partir de agora, e em próximas eleições, só vota enganado
quem gostar de ser enganado. Convém entretanto desmistificar o
ilusionismo político que anda associado a expressões tais como -
'causas fracturantes', 'voto em consciência' e outras anormalidades
do género. Vamos por partes:
São as 'causas
fracturantes' que justificam a existência dos partidos pois se elas
não fracturassem seria bem melhor, e mais barato, vivermos no
sossego da antiga união nacional. São elas que obrigam a escolhas
decisivas, quer dos eleitores na hora de votar, quer na
disponibilidade de quem se habilita a ser o representante dessas
mesmas escolhas. Ou seja, ninguém escolhe um partido por causa do
défice, mas sim pelos valores que defende. Isto parece-me óbvio. E
só não é óbvio quando o cardápio de partidos, fruto de uma
constituição enviezada, apenas tem permitido escolhas entre a fome
e a vontade comer!
Mas continuando com o
nosso exercício chegamos ao 'voto em consciência', uma expressão
intencionalmete confusa e com pano para mangas. Senão vejamos: - à
primeira vista parece que os deputados só votam em consciência
quando estão na presença das ditas causas fracturantes! Mas como
isto seria absurdo logo vem alguém explicar-nos que 'votar em
consciência' significa liberdade de voto, ausência de disciplina
partidária, e que os deputados votam como entenderem! O que também
não me parece bem e pode até ser motivo para preocupações
acrescidas. Explico: - o que é suposto é os deputados votarem em
representação dos seus eleitores e não por sua conta e risco! E
começa a desabar o edifício da propaganda enganosa.
Aliás e se virmos bem, na
votação da eutanásia tudo decorreu como era expectável com a
excepção, talvez, do PCP. Mas já lá vamos. Assim, os deputados
dos cinco partidos proponentes, votaram todos (em consciência) as
respectivas propostas. Nem podia ser de outra maneira. Uma ou outra
dissonância no PS não teve qualquer significado. E quanto aos
partidos que se esperava que votassem contra (CDS e Chega) também
votaram contra. Resta então explicar o voto contra do PCP, porque os
votos dos deputados do PSD, partido em crise de identidade
praticamente desde que nasceu, já não surpreendem ninguém.
E finalmente o PCP!
Fechada há muito a sede em Moscovo, a obediente filial portuguesa
não teve outro remédio senão transformar-se num partido
conservador, nacional sindicalista, cuja única preocupação é
sobreviver mantendo os bastiões que lhe restam – os sindicatos da
função pública e algumas autarquias da saudosa reforma agrária.
Assim, em decadência, em sofrimento intolerável, resistiu à
eutanásia com que os seus parceiros de esquerda lhe acenaram, e não
quis suicidar-se. Fez bem. 'Não matem', disse Jerónimo de Sousa, a
frase mais católica que ouvi por estes dias!
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