quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Não nos enganem...


"Riba Dal é terra de judeus. Baldadamente, pelo ano fora, o Padre João benze, perdoa, baptiza e ensina o catecismo por perguntas e respostas.
  • Quem é Deus?
  • É um Ser todo poderoso, criador do Céu e da Terra.
Na destreza com que se desenvencilham do interrogatório, não há quem possa desconfiar que por detrás da sagrada cartilha está plantado em sangue o Pentateuco. Mas está. E à hora da morte, quando a um homem tanto lhe importa a Thora como os Evangelhos, antes que o abade venha dar os últimos retoques à pureza da ovelha, e receba da língua moribunda e cobarde a confissão daquele segredo – abafador.
Desses servos de Moisés, encarregados de abreviar as penas deste mundo e salvar a honra do convento, o maior de que há memória é o Alma-Grande.
Alto, mal encarado, de nariz adunco, vivia no Destelhado, uma rua onde mora ainda o vento galego, a assobiar sem descanso o ano inteiro. Quem vinha chamar aquele pai da morte já sabia que tinha de subir pela encosta acima a lutar como um barco num mar encapelado. (…) Diante da casa, bastava gritar-lhe o nome.
  • Tio Alma-Grande! Ó Tio Alma-Grande!
  • Lá vai...
Daí a nada a tenaz das suas mãos e o peso do seu joelho passavam guia ao moribundo.
(…)"

Novos Contos da Montanha (O Alma-Grande) excerto
Miguel Torga


Nota:
Depois desta transcrição não posso deixar de emitir algumas notas sobre este assunto que está na ordem do dia. E a minha primeira impressão é que, tal como no aborto, os arautos da morte são os mesmos. A mesma agenda, os mesmos lobos vestidos de cordeiros, o mesmo ódio à Igreja Católica, a mesma dissimulação laica, laicistas com todas as letras, piores, muito piores que todos os almas grandes deste mundo. Na verdade, no conto da montanha, a eutanásia era assunto familiar, segredo de clã, mas não era projecto ou etapa para fracturar a sociedade e aniquilar a sua matriz católica. Como hoje se verifica que é. Um dia vamos ter que defender a nossa identidade sem meias tintas.


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