sábado, agosto 26, 2006

“Sobre o nosso entendimento dos deveres do Estado”

“O Estado existe, não para proteger os vícios pessoais, mas para promover o bem de todos, porquanto o seu dever mais elevado está ligado justamente ao preceito da caridade: ajudar os débeis, defender os oprimidos, fazer o bem àqueles que vivem em dificuldade (...). A ordem natural baseia-se sobre o extermínio recíproco ou, no melhor dos casos, sobre uma mútua limitação dos homens. A ordem moral é baseada na recíproca solidariedade e a expressão primeira e mais simples de tal ordem é a ajuda gratuita, a beneficência desinteressada.”

Vladimir Soloviev

“...O mundo inteiro indiferente com a desgraça daqueles dezanove anos. O primeiro dever da civilização é evitar que fiquem os desgraçados pelo caminho!
Os desgraçados são a vergonha da humanidade, são a desonra da civilização!
Mas a vida passava-se lá muito acima disto tudo, ocupada com a vida de todos, indiferente á vida de cada um.”

Almada Negreiros


Salas de chuto

“Parece ser um problema nascido mais da imaginação das juventudes partidárias e do BE do que da atenção à realidade;
O partido do Governo parece estar mais comprometido com compromissos tácticos do que convicto da bondade de tal medida;
Se as Salas de Chuto pretendem diminuir os riscos de contágio com o HIV+ erram o alvo. Os eventuais dependentes contagiáveis pretenderam outra coisa que não ser elencados e identificados. Entre os toxicodependentes que eventualmente se encontrem disponíveis para frequentar as Salas de Chuto contam-se sobretudo os já doentes com HIV+;
Por outro lado pensar que assim se consegue trazer para a rede de saúde os mais degradados é esquecer que faz parte da sua própria atitude aproveitar-se da rede de saúde pública para não sair. Dos bairros degradados saem os que são perseguidos pela delinquência associada à sua marginalidade e não os que o Estado ajuda a serem marginais;
Pode-se suspeitar que existam interesses corporativos associados às estruturas técnicas do Estado que pretendam ver avançar esta hipotética nova frente de trabalho;

Sugestão:

Estude-se qual seria efectivamente a eventual população que frequentaria as Salas de Chuto através de um organismo independente das estruturas estatais (por exemplo, através de Gabinetes de Estudo das Universidades);”

Com a devida vénia, pela oportunidade e interesse que o assunto merece, o Interregno volta a publicar parte de um texto da autoria da Associação Vale de Acór, comunidade terapêutica para o tratamento de toxicodependentes.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Jardim cercado

Nos Açores é diferente, a descontinuidade territorial, as muitas ilhas com as suas rivalidades, perdem unidade e são mais fáceis de domar. A Madeira e o seu cacique é que são o problema desta terceira república que em má hora se lembrou das regiões autónomas, com tudo o que isso acarreta de independência e desenvolvimento.
Estão visivelmente arrependidos.
O homem é inconveniente, não faz vénias ao continente, exige e ameaça com o nosso dinheiro, nosso é uma força de expressão, talvez não seja nosso, mas dele não é concerteza!
E agora que o país está quase na linha, domesticado, sobrevivente em euros sem poder reclamar, sem alternativa, disponível para se sacrificar até ao fim por este caminho sem rumo que lhe foi generosamente traçado, não podemos tolerar dissidências.
Sigamos pois no cerco ao relapso madeirense, arremedo de feudalismo que nunca tivemos nem podemos ter, ele bem sabe a nossa sina, por isso vamos em frente, retiremos-lhe os meios com que se pavoneia, que lhe têm valido vitórias atrás de vitórias!
Vamos sufocá-lo, será obrigado a render-se.
Nessa tarefa patriótica, feita em nome da nossa velha república unitária, contamos com apoio generalizado da população continental, até de sectores insuspeitos, de outras áreas políticas, nas direitas, no centro, entre os chamados independentes, porque ninguém tolera a independência do líder da Madeira!
Afinal que argumentos tem o homem? Qual a razão de tanta popularidade entre os seus?
Aplicou bem o dinheiro que lhe deram? Talvez, atendendo a que a Madeira passou a ser considerada em termos europeus uma região mais desenvolvida e por consequência com o acesso ao crédito mais dificultado. Tanto pior para ele! Os relatórios internacionais também parecem confirmar um forte ritmo de crescimento que se tem verificado.
Mas isso que interessa comparado com o prejuízo que representa para a república a estridência enervante desse sujeito. Um mau exemplo para os desertificados ‘distritos’ do continente.
Resta-nos sonhar, acordar a imaginação, e que saudades, a consolação que teríamos se em lugar de um cacique, tivéssemos vários como este, espalhados por esse império perdido, a reclamar insistentemente mais e mais verbas, vergastando o continente pelos seus erros, desconfiando do poder central, mas com plena confiança da sua gente!
Sinal de que tínhamos merecido a herança...e que ainda tínhamos mão nela.

Post-scriptum: ‘Cacique’ significa chefe independente.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Sebastianismo do Sertão

“Daqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja. O sol treme na vista, reluzindo nas pedras mais próximas. Da terra agreste, espinhenta e pedregosa, batida pelo Sol esbrazeado, parece desprender-se um sopro ardente, que tanto pode ser o arquejo de gerações e gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e Profetas, assassinados durante anos e anos entre essas pedras selvagens, como pode ser a respiração dessa Fera estranha, a Terra – esta Onça-Parda em cujo dorso habita a Raça piolhosa dos homens. Pode ser, também, a respiração fogosa dessa outra Fera, a Divindade, Onça-Malhada que é dona da Parda, e que, há milénios, acicata a nossa Raça, puxando-a para o alto, para o Reino e para o Sol.

Daqui de cima, porém, o que vejo agora é a tripla face, de Paraíso, Purgatório e Inferno, do Sertão. Para os lados do poente, longe, azulada pela distância, a Serra do Pico, com a enorme Tapeorá, cuja areia é cheia de cristais despedaçados que faíscam ao Sol, grandes Cajueiros, com seus frutos vermelhos e cor de ouro. Para o outro lado, o do nascente, o da estrada de Campina Grande e Estaca-Zero, vejo pedaços esparsos e agrestes de tabuleiro, coberto de Marmeleiros secos e Xiquexiques. Finalmente, para os lados do norte, vejo pedras, lajedos e serrotes, cercando a nova Vila e cercados deles mesmos por Favelas espinhentas e Urtigas, parecendo enormes Lagartos cinzentos, malhadas de negro e ferrugem, lagartos venenosos, adormecidos, estirados ao Sol e abrigando Cobras, Gaviões e outros bichos ligados à crueldade da Onça do Mundo.
Aí, talvez por causa da situação em que me encontro, preso na Cadeia, o Sertão, sob o sol fagulhante do meio-dia, me aparece, ele todo, como uma enorme Cadeia, dentro da qual, entre muralhas de serras pedregosas que lhe servissem de muro inexpugnável a apertar suas fronteiras, estivéssemos todos nós, aprisionados e acusados, aguardando as decisões da Justiça, sendo que, a qualquer momento, a Onça-Malhada do Divino pode se precipitar sobre nós, para nos sangrar, ungir e consagrar pela destruição”.

Do romance “A Pedra do Reino” de Ariano Suassuna.
In Revista “Portugueses” (Maio/Junho 1989)

sábado, agosto 19, 2006

Um país pequeno

Abri e fechei a televisão, demorei-me uns segundos, talvez um minuto a olhar para a entrevista memorial sobre Marcelo Caetano. Até poderia ter interesse, Ana Maria Caetano explicava, a uma atenta e serviçal Judite de Sousa, algumas das peripécias vividas por seu pai nos momentos subsequentes ao 25 de Abril de 1974.
Mas aquela pequena tentação de revelar um distanciamento político entre Marcelo Caetano e o Almirante Américo Tomás, seu companheiro de exílio e infortúnio, a palavra ‘ultras’ ao de leve pronunciada, foi o suficiente para desligar a televisão e perder de vista o rosto ainda bonito da filha do último primeiro-ministro do Estado Novo.
Que raio de país, que raio de gente, incapaz de se manter solidária na hora da derrota, sempre pronta a saltar para o carro dos vencedores!
Quando nem sequer há vencedores, mas uma longa lista de traições, deserções, de gestos que a história não vai lembrar quanto mais dignificar, tão parecidos que parecem irmãos gémeos de outros golpes que passam por revoluções na posterior propaganda.
A própria entrevista é disso prova e argumento. Então não havia ninguém convencido do que estava a fazer! Da bondade do caminho trilhado! Estavam todos contrariados?
E do outro lado, do lado de Abril, a necessidade de expiar o embuste, de alargar responsabilidades, de justificar alguns excessos imprevistos, o pecado da descolonização a comprometer tudo e todos, e a confirmar essa realidade inelutável: não há oposição em Portugal!
Ela só parece existir enquanto não nos aproximamos o suficiente do orçamento de estado, depois, segue-se oportuna reciclagem e o início de uma viagem vertiginosa até ao outro lado da barricada...Que afinal não é barricada nenhuma!
Um país a fingir, cada vez mais pequeno, que não consegue fazer justiça a ninguém.
E que sem perceber mantém o hábito das conversas em família, no canal público, aos Domingos, a cargo de um afilhado de Marcelo Caetano!

quarta-feira, agosto 16, 2006

Sem representação

À força de quererem separar a Igreja do Estado, e não interessa agora discutir o motivo ou os motivos que estiveram e estão na origem desta escolha política, as sociedades ocidentais deixaram sem representação um dos aspectos essenciais da natureza humana: a sua religiosidade!
Embrenhada nas profundezas culturais de determinada comunidade, essa mesma religiosidade acabava por estar politicamente representada no chefe de estado monárquico, na sua qualidade de vínculo histórico, que assim resolvia, melhor ou pior, o complexo de tensões sociais entre os diversos agentes políticos e religiosos, conseguindo por seu lado mobilizar estes últimos para a concórdia geral, na medida em que os envolvia na prossecução dos objectivos comuns dessa mesma comunidade.
Esta razoável harmonia, correspondente a uma identidade clara e indiscutível, sofreu como se sabe, um primeiro grande revés com a chamada reforma protestante que assim quebrou a unidade, que atravessou séculos, de obediência ao Sumo Pontífice.
A partir daqui é fácil perceber o declínio da Europa bem como todas as sequelas que hoje nos confundem e dividem, com o laicismo premente, de natureza fundamentalista, a empurrar-nos, mais e mais, para um buraco escuro donde será difícil sermos resgatados.
É neste contexto que temos que entender a nossa emergente incapacidade para lidar com culturas diferentes, como o Islão por exemplo, que se recusa a seguir o modelo ocidental já que não admite cortar com Deus ao nível da representação do Estado.
Curioso é neste ponto notarmos, e já não é a primeira vez que o faço notar, que os grandes apóstolos do laicismo e da separação da Igreja do Estado, e também por isso, os grandes adversários do Islão, são os países onde não existe uma separação nítida entre a religião e o Estado!!! Refiro-me naturalmente a Israel, Inglaterra e Estados Unidos, pois claro. Bastava este facto, para qualquer um desconfiar das respectivas promessas políticas, agora imaginem os muçulmanos!
É de facto caricato, por absurdo, tudo o que se passa à nossa volta: os americanos e os ingleses armados em cruzados, eles que não obedecem à única Entidade que as convocou no passado e que teria legitimidade para as convocar no presente – o Papa, que aliás tem condenado firmemente este tipo de ‘cruzadas’. E por outro lado não deixa de ser estranho que nesta ‘cruzada’ surja como aliado dos tais ‘cruzados’, um povo que a história assinala como responsável pela própria crucificação de Cristo!
Tudo isto é muito difícil de compreender!
E termino como comecei: se tudo aquilo que tem natureza política, aspira naturalmente a ser representado, também é verdade que essa representação quando é ilegítima ou quando é reprimida, suscita um movimento reactivo de quem se sente amordaçado, movimento que se torna rápidamente incontrolável, e está sempre disponível para afrontar a falsa cultura dominante em surpreendentes ‘tsunamis’!
Não vale a pena depois chamar-lhes terroristas.

domingo, agosto 13, 2006

“Mudam-se os tempos...”

A comunicação social faz parte do país, são organizações onde trabalham pessoas normais, há muita gente envolvida, veteranos e jovens que se engalfinham para ‘dar’ as mesmas notícias, aquelas novidades saídas do funil de duas ou três agências noticiosas, também elas ligadas à máquina de propaganda das multinacionais que todos conhecemos.
Os chamados repórteres de guerra, salvo raríssimas excepções, acompanham os exércitos vencedores e vão declamando, em pose de grande imparcialidade, as banalidades que lhes impingem.
Jornalismo de reportagem, fora da segurança do politicamente correcto, não existe, ou se existe, não chega ao grande público, que se mantém fiel, em permanente estado de ansiedade, e vai consumindo doses cavalares de patranhas infantis, que lê nos jornais, que passam na televisão, sempre na secreta esperança de que surja algo que possa mudar as suas vidas!
Esperamos em vão.
Alguns exemplos, tristes exemplos, diga-se:
O fogo devasta o país como habitualmente nesta época quente, mas agora ninguém se lembra de pedir responsabilidades ao governo! Pelo contrário é o próprio governo que acusa os portugueses de serem os culpados pelos incêndios que lavram por todo o território! Extraordinária conclusão, quando se sabe que prossegue a desertificação interior, e que os pinheiros, sozinhos, não se conseguem defender.
Mas regressemos por um momento aos tempos de Durão Barroso e Santana Lopes, quando o mesmo fogo consumia a floresta lusitana, para recordar que não havia dia nem hora em que se não questionasse o governo e o primeiro-ministro sobre qualquer fagulha que se reacendesse, sobre alguma falha nos meios de combate aos incêndios, medindo e comparando, a palmo, a área ardida, confrontando promessas eleitorais de acabar com os fogos de Verão em Portugal!
Onde estão os jornalistas dessa época? Onde estão as televisões que não davam descanso ao governo?
Desapareceram!?
Pode o ministro Costa repreender à vontade os portugueses que emigraram para Loures ou Massamá, e que se esqueceram ir fazer os convenientes ‘aceiros’ lá na terrinha de onde fugiram, fugindo à miséria; pode enfim o elegante Sócrates fazer as corridinhas que quiser por Copacabana, que nenhum jornalista português o irá incomodar com o fogo pátrio.
Mudam-se os tempos...mas nós não mudamos.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Totalitarismo à vista

Uso um título emprestado para ver se consigo retratar este insólito tempo em que somos obrigados a revelar identidade de corpo e alma para com os novos benfeitores da Terra. Não podemos ocultar nada, até a bolsa de viagem tem que ser transparente.
Para nosso bem.
Os inimigos são invisíveis, existem concerteza porque lançam o pânico e a morte à sua volta, estão por todo o lado, sabemos apenas que são islamitas, e mais recentemente, foram caracterizados como ‘islamitas fascistas’, uma variante até aqui desconhecida, com aliados no Irão e na Síria, e partilham entre si um ódio visceral a Israel e aos Estados Unidos!
É tudo quanto se sabe, ou pelo menos é tudo quanto podemos saber.
A Inglaterra, grande aliada dos americanos na reconstrução de um ‘novo médio oriente’, também está na linha de fogo, como se viu pela gigantesca operação policial despoletada em todos os aeroportos do Reino Unido, pelas inúmeras detenções, pelo incómodo a quem pretendia viajar de avião, fosse para onde fosse, mas principalmente para os Estados Unidos.
Procuramos terroristas, é a palavra de ordem, a autorização, o aval, que permite prender, interrogar, isolar, transportar e esconder pessoas suspeitas de pertencerem às tenebrosas organizações que se dedicam à prática do terrorismo. O terrorismo é a doença do século, e qualquer pessoa pode ser infectada por esse vírus mortífero, e sendo assim, todos somos suspeitos.
As origens da epidemia são vagas e não interessa agora discuti-las, porque ‘em tempo de guerra não se limpam armas’, confidenciou um alto responsável que não quis ser identificado.
Entretanto Israel prossegue na sua ‘cruzada’ contra o terrorismo. No Líbano também não há inocentes.
Exagerei na descrição mas os indícios não mentem, e os métodos também não: isto lembra-me qualquer coisa e não é coisa boa.

terça-feira, agosto 08, 2006

“Senhor dá-nos um Rei...”

“Samuel, dá-nos um rei como têm as outras nações...”, foi assim que o povo hebreu se exprimiu, farto de querelas e divisões, ansiando por uma referência de unidade. “Faz o que eles pedem” disse-lhe o Senhor.
Podemos extrair deste episódio bíblico, ocorrido muitos séculos antes do nascimento de Cristo, aquilo que é óbvio e os factos todos os dias comprovam:
Sem um símbolo, sem um referencial único, os povos não se conseguem estabilizar nem progredir, minados por questiúnculas internas, habilmente aproveitadas pelos seus inimigos externos, e com isso vão adiando sistematicamente as melhores soluções para os seus problemas.
Na maior parte dos casos, incapazes de se entenderem dentro das suas fronteiras, acabam por tentar construir uma falsa unidade fora delas, invadindo e agredindo outros povos, inventando um inimigo exterior, disfarçando, ou se quiserem exportando desta maneira os seus problemas domésticos.
Isto é teoria política básica, mas infelizmente e por ser básica está sempre a verificar-se, está sempre a acontecer, e pior, está a acontecer-nos a nós!
Desmobilizados, cada um para seu lado, os portugueses sentem o mesmo que eu sinto: um país à deriva, sem representação una e fiável, alguém que sobreleve as facções e que reconheçamos como imagem da Pátria.
Não há, não temos, ou se temos, não queremos ter!
Mas hoje queria falar-vos desta guerra sem fim que opõe o Islão a Israel, ao Ocidente, aos Estados Unidos, à Rússia, à China, e a outros incertos. A verdade é que no meio desta confusão apraz-me registar que são as monarquias islâmicas, aquelas que dão maiores sinais de moderação, e que asseguram alguma estabilidade e desenvolvimento internos.
Estou a lembrar-me de Marrocos, da Jordânia e até da própria Arábia Saudita, como podia ter-me lembrado da Pérsia no tempo do Xá ou do Afeganistão no tempo do Rei Zaer Sha!
Reparem que não fiz nem tenciono fazer qualquer comentário ou referência à chamada ‘democracia para exportação’ assunto que já abordei e desmascarei largamente aqui no Interregno e que toda a gente percebe que se trata da última artimanha imperialista para ‘dividir e reinar...sobre o petróleo’!
Eu faço referência á monarquia, àquela que une e evita, ou pelo menos reduz, o apetite voraz dos tubarões do costume. Essa realmente tem-se revelado muito mais eficaz e benigna quer reduzindo os riscos de guerra, quer assegurando alguma sementeira em favor da paz.
Tenho insistido neste ponto que me parece importante: o Rei, na sua qualidade de representante da história, e quando legítimo, limita a preponderância dos sacerdotes diminuindo os factores ligados ao fundamentalismo religioso. Esta vantagem não a tem mais nenhum agente político, e numa região como o médio oriente, em lugar de andarmos a pregar a ‘democracia americana’, seria mais sensato advogar o regresso de regimes ancorados na tradição já que transmitem outra seriedade e serenidade nas relações internas e internacionais.
O que se aconselha portanto a essa legião de ‘benfeitores’, americanos, russos, chineses, ingleses, franceses, e israelitas por outros motivos, é mais paciência e menos apetite. Não tenham medo porque o petróleo é para vender, não é para consumo interno dos países do médio oriente.
E já que aqui estamos, uma pergunta directa: E tu, oh Israel, que tal um Rei?
Era capaz de ser bom para ti e para os teus vizinhos. Outra credibilidade e independência às posições e interesses do estado judaico, trazia concerteza.

quinta-feira, agosto 03, 2006

“Pedro II do Brasil”

“Havas traz-nos hoje o seguinte despacho:

Milão, 22 de Maio, manhã

O estado do imperador do Brasil voltou a ser gravíssimo. Os médicos tornaram a aplicar-lhe injecções de cafeína. O imperador recebeu os últimos sacramentos.

O imperador agonizante foi...talvez este passado seja a esta hora uma verdade cruel! – foi um dos soberanos mais notáveis deste século, e um dos homens mais dignos de serem conservados na memória dos tempos.
Nascido no próprio ano em que o Brasil ganhava a independência, a infância do imperador decorreu entre as agitações inerentes aos primórdios dos povos. Nessa escola pratica da vida se educou o seu espírito de homem e o seu tacto de soberano.
Era um filósofo sentado num trono. Aos quinze anos, em 1840, quando principiou a reinar, o Brasil agitava-se, agitou-se ainda por um ano, no campo sáfaro das revoluções anárquicas. Hoje, depois de quase meio século de um reinado cheio como poucos, o Brasil é uma nação poderosa, grande, rica, palpitando com intensidade patriótica e vivamente crente no futuro.
Felizes os que descem ao túmulo, certos de não terem vivido em vão!
Tinha vinte e cinco anos o imperador, quando aboliu o tráfico da escravatura; tinha trinta quando, servindo-se de Urquiza para abater Rosas, o Denys da Siracusa argentina, franqueava a estrada dos sertões de Mato Grosso e de Goiás, pelo Paraguai e pelo Paraná. Em 1867 patenteava o Amazonas à navegação internacional; em 1870 via destruído Lopes, o tirano de Humaitá e da Assumpção; e um ano depois outorgava a primeira lei emancipadora dos escravos, para agora ter como apoteose outra lei consumando a liberdade de meio milhão de homens.
Quando um homem acaba assim, não morre: nasce para a história, passando da cena acanhada do mundo para o céu amplíssimo da consciência da humanidade.
E o imperador do Brasil não foi o símbolo, ou a firma sob que outros governaram, porque ele era o governo, ele era administração, e o paço de S. Cristóvão, patente diariamente ao povo, era a oficina onde dia a dia se ia fabricando a grandeza da nação.
Os principais actos do governo do imperador foram todos pensamentos pessoais desse filósofo coroado, a quem o Brasil deveu a paz, enquanto as repúblicas vizinhas se agitavam em tumultos incessantes; a quem deveu a constituição definitiva da sua geografia pela conquista das águas do Prata, duas vezes disputado à força de armas, contra Rosas e contra Lopes; a quem deveu, finalmente, a emancipação dos escravos, sua gloriosa paixão dominante.
Quando um homem desce ao túmulo levantando à liberdade um milhão de semelhantes seus, a esse homem cabe o nome que ficou típico para significar a nobreza do carácter, a rectidão dos pensamentos, a claridade da inteligência, e a suave filosofia que, fundindo todos os predicados de um génio, imprime o cunho a uma personalidade. O imperador D. Pedro foi o Marco Aurélio do Brasil”.

Oliveira Martins – Perfis

Post-scriptum: D. Pedro II faleceu em Paris a 5 de Dezembro de 1891.