“Havas traz-nos hoje o seguinte despacho:
Milão, 22 de Maio, manhã
O estado do imperador do Brasil voltou a ser gravíssimo. Os médicos tornaram a aplicar-lhe injecções de cafeína. O imperador recebeu os últimos sacramentos.
O imperador agonizante foi...talvez este passado seja a esta hora uma verdade cruel! – foi um dos soberanos mais notáveis deste século, e um dos homens mais dignos de serem conservados na memória dos tempos.
Nascido no próprio ano em que o Brasil ganhava a independência, a infância do imperador decorreu entre as agitações inerentes aos primórdios dos povos. Nessa escola pratica da vida se educou o seu espírito de homem e o seu tacto de soberano.
Era um filósofo sentado num trono. Aos quinze anos, em 1840, quando principiou a reinar, o Brasil agitava-se, agitou-se ainda por um ano, no campo sáfaro das revoluções anárquicas. Hoje, depois de quase meio século de um reinado cheio como poucos, o Brasil é uma nação poderosa, grande, rica, palpitando com intensidade patriótica e vivamente crente no futuro.
Felizes os que descem ao túmulo, certos de não terem vivido em vão!
Tinha vinte e cinco anos o imperador, quando aboliu o tráfico da escravatura; tinha trinta quando, servindo-se de Urquiza para abater Rosas, o Denys da Siracusa argentina, franqueava a estrada dos sertões de Mato Grosso e de Goiás, pelo Paraguai e pelo Paraná. Em 1867 patenteava o Amazonas à navegação internacional; em 1870 via destruído Lopes, o tirano de Humaitá e da Assumpção; e um ano depois outorgava a primeira lei emancipadora dos escravos, para agora ter como apoteose outra lei consumando a liberdade de meio milhão de homens.
Quando um homem acaba assim, não morre: nasce para a história, passando da cena acanhada do mundo para o céu amplíssimo da consciência da humanidade.
E o imperador do Brasil não foi o símbolo, ou a firma sob que outros governaram, porque ele era o governo, ele era administração, e o paço de S. Cristóvão, patente diariamente ao povo, era a oficina onde dia a dia se ia fabricando a grandeza da nação.
Os principais actos do governo do imperador foram todos pensamentos pessoais desse filósofo coroado, a quem o Brasil deveu a paz, enquanto as repúblicas vizinhas se agitavam em tumultos incessantes; a quem deveu a constituição definitiva da sua geografia pela conquista das águas do Prata, duas vezes disputado à força de armas, contra Rosas e contra Lopes; a quem deveu, finalmente, a emancipação dos escravos, sua gloriosa paixão dominante.
Quando um homem desce ao túmulo levantando à liberdade um milhão de semelhantes seus, a esse homem cabe o nome que ficou típico para significar a nobreza do carácter, a rectidão dos pensamentos, a claridade da inteligência, e a suave filosofia que, fundindo todos os predicados de um génio, imprime o cunho a uma personalidade. O imperador D. Pedro foi o Marco Aurélio do Brasil”.
Oliveira Martins – Perfis
Post-scriptum: D. Pedro II faleceu em Paris a 5 de Dezembro de 1891.
Milão, 22 de Maio, manhã
O estado do imperador do Brasil voltou a ser gravíssimo. Os médicos tornaram a aplicar-lhe injecções de cafeína. O imperador recebeu os últimos sacramentos.
O imperador agonizante foi...talvez este passado seja a esta hora uma verdade cruel! – foi um dos soberanos mais notáveis deste século, e um dos homens mais dignos de serem conservados na memória dos tempos.
Nascido no próprio ano em que o Brasil ganhava a independência, a infância do imperador decorreu entre as agitações inerentes aos primórdios dos povos. Nessa escola pratica da vida se educou o seu espírito de homem e o seu tacto de soberano.
Era um filósofo sentado num trono. Aos quinze anos, em 1840, quando principiou a reinar, o Brasil agitava-se, agitou-se ainda por um ano, no campo sáfaro das revoluções anárquicas. Hoje, depois de quase meio século de um reinado cheio como poucos, o Brasil é uma nação poderosa, grande, rica, palpitando com intensidade patriótica e vivamente crente no futuro.
Felizes os que descem ao túmulo, certos de não terem vivido em vão!
Tinha vinte e cinco anos o imperador, quando aboliu o tráfico da escravatura; tinha trinta quando, servindo-se de Urquiza para abater Rosas, o Denys da Siracusa argentina, franqueava a estrada dos sertões de Mato Grosso e de Goiás, pelo Paraguai e pelo Paraná. Em 1867 patenteava o Amazonas à navegação internacional; em 1870 via destruído Lopes, o tirano de Humaitá e da Assumpção; e um ano depois outorgava a primeira lei emancipadora dos escravos, para agora ter como apoteose outra lei consumando a liberdade de meio milhão de homens.
Quando um homem acaba assim, não morre: nasce para a história, passando da cena acanhada do mundo para o céu amplíssimo da consciência da humanidade.
E o imperador do Brasil não foi o símbolo, ou a firma sob que outros governaram, porque ele era o governo, ele era administração, e o paço de S. Cristóvão, patente diariamente ao povo, era a oficina onde dia a dia se ia fabricando a grandeza da nação.
Os principais actos do governo do imperador foram todos pensamentos pessoais desse filósofo coroado, a quem o Brasil deveu a paz, enquanto as repúblicas vizinhas se agitavam em tumultos incessantes; a quem deveu a constituição definitiva da sua geografia pela conquista das águas do Prata, duas vezes disputado à força de armas, contra Rosas e contra Lopes; a quem deveu, finalmente, a emancipação dos escravos, sua gloriosa paixão dominante.
Quando um homem desce ao túmulo levantando à liberdade um milhão de semelhantes seus, a esse homem cabe o nome que ficou típico para significar a nobreza do carácter, a rectidão dos pensamentos, a claridade da inteligência, e a suave filosofia que, fundindo todos os predicados de um génio, imprime o cunho a uma personalidade. O imperador D. Pedro foi o Marco Aurélio do Brasil”.
Oliveira Martins – Perfis
Post-scriptum: D. Pedro II faleceu em Paris a 5 de Dezembro de 1891.
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