terça-feira, julho 19, 2005

S. A. o Duque de Bragança ao Semanário 'O Independente'.

O Interregno transcreve, com a devida vénia, a entrevista de Sua Alteza o Duque de Bragança, concedida ao Semanário ‘O Independente’ no dia 15 de Julho p.p.

D. DUARTE

É UM MONARCA SEM TRONO. EM TEORIA, ACEITA QUE A REPÚBLICA É UM REGIME MAIS DEMOCRÁTICO.
MAS ACREDITA QUE NA PRÁTICA AS MONARQUIAS FUNCIONAM MELHOR. O DUQUE DE BRAGANÇA NÃO TERIA DEMITIDO SANTANA LOPES, DEFENDE A LEGALIZAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO, NÃO CONSIDERA JUSTO QUE AS MULHERES SEJAM CONDENADAS PELA PRÁTICA DE ABORTO E ENTENDE QUE OS BOMBISTAS SUICIDAS SÃO TUDO MENOS COBARDES.


«Sinto-me rei dos portugueses»

Quando tem de preencher um impresso o que coloca no espaço reservado à profissão? – Normalmente, agricultor. Ou então administrador da Fundação D. Manuel II. Geralmente prefiro a primeira. Acho mais interessante.

É da agricultura que vem a principal fatia dos seus rendi­mentos? – Não. Ultimamente até tem dado prejuízo.

De onde vêm então os seus proventos? – Uma parte vem das propriedades da minha mãe no Brasil. Juntamente com os meus tios, somos proprietá­rios de muitos terrenos na cidade de Petrópolis. E tam­bém tenho feito trabalhos de consultoria para algumas empresas exportadoras. Mas tenho uma vida simples. Gasto apenas o estritamente necessário para cumprir as minhas obrigações. O desperdício é um erro. O último carro que tive durou 20 anos. Agora tenho um Volkswagen Sharon e espero que dure outros 20.

Como é o quotidiano de um rei sem trono? – Administro as minhas coisas e acompanho os filhos nos estudos e noutras actividades. Depois há muitos convi­tes que tenho de aceitar e que implicam deslocações dentro e fora de Portugal. Agora estou também a pre­parar um livro sobre a minha vida.

Sente-se rei de Portugal? – Não. Mas, em certa medida, sinto-me rei dos portu­gueses.

Em que sentido? Tenho um dever para com o país. Se os portugueses me quiserem, aceito as minhas responsabilidades políti­cas. Se não quiserem, ou não puderem exprimir-se, assumo da mesma forma os meus deveres morais, cul­turais e sociais.

Gostava de ser rei? – Gostaria de poder fazer mais por Portugal. E, como rei, teria muito mais possibilidades de ser útil ao país do que na minha situação actual.

É um sonho? – Não. Sinto apenas que o país tem essa necessidade. Os portugueses estão órfãos de Portugal. Não sabem para onde vai o seu país, sentem-se perdidos e desorienta­dos. Perderam a fé na democracia.

Acredita que Portugal voltará a ser uma monarquia? – Era muito útil para o país se isso acontecesse. Mas tudo depende da evolução da nossa democracia. Neste momento é imatura. Os portugueses são tratados como crianças incapazes de decidir sobre o seu futuro. A pro­va disto é um artigo na Constituição que diz que "a for­ma republicana de governo é inalterável". Devia alterar-se para "forma democrática de governo". Muitas das repúblicas que há no mundo são ditaduras ou demo­cracias insuficientes. E, por outro lado, quase todas as monarquias têm regimes democráticos avançados.

Há países monárquicos em que as coisas não funcionam bem... – Há, de facto, algumas monarquias árabes, ultra-tradicionalistas, que estão muito longe do que entendemos por democracia. Mas em África as monarquias fun­cionam melhor do que as repúblicas. No Sudoeste Asiático, a Tailândia é certamente um dos países mais democráticos da sua região. O Japão é muito mais democrático do que a China...

Por que motivo uma monarquia parlamentar há-de funcionar melhor do que uma república? – Só há dois motivos válidos para se ser republicano. Um é acreditar que é indispensável um poder presidencial forte. O outro é querer ser Presidente da República. Todos os parlamentos funcionam melhor com um rei, porque não há conflito de poderes. Nunca um rei demi­tiria um governo com maioria parlamentar.

Não teria demitido Santana Lopes? – Nenhum rei o teria feito. Todos os primeiros-ministros dos países monárquicos dizem que os reis são uma grande ajuda para o seu trabalho. Têm uma influência discreta mas muito positiva. Em Portugal não há um só governo que tenha gostado do relacionamento com o Presidente da República.

Porque razão um rei nunca demitiria um primeiro-ministro? – Porque o rei respeita o Parlamento e considera que os deputados estão ali em representação do povo.

Santana Lopes não tinha sido eleito... – Mas tinha maioria no Parlamento. Os eleitores votam em partidos políticos. Não se pode demitir um governo apenas porque não se gosta dele.

Foi isso que aconteceu? – O Presidente da República limitou-se a falar dos “motivos que todos sabem”. Os motivos que todos sabíamos eram os comentadores políticos na televisão e nos jornais. Nunca apontou justificações para o que fez. E nem sequer demitiu o primeiro-ministro...

Dissolveu a Assembleia... – O que é pior ainda, porque o Parlamento tinha uma maioria estável. Obviamente que o fez com a melhor das intenções e por acreditar que estava a servir os interesses de Portugal. O que ponho em causa não é esta situação em concreto. É o facto de, numa república, serem frequentes os confrontos entre o governo e a presidência. Isto atrasa o país. Se o próximo presidente, qualquer que ele seja, não for do PS vai acabar por entrar em conflito com o Governo.

Quem gostaria de ver em Belém? – Não posso dizer. Mas preferia um militar. Têm um sentido da dignidade do Estado e de independência em relação às forças políticas que os aproxima mais da tradição monárquica.

Só pelo facto de o rei não ter cor politica os conflitos de interesses com os governos desapareceriam? – O rei limita-se a exercer uma magistratura de influência. Só intervém em caso de emergência, numa situação de caos e desordem generalizada. Nunca interfere em situações de normalidade política.

Então um rei teria muito menos poderes do que o Presidente da República... – Há reis que têm muitos poderes, só que não os usam. Reservam-nos para situações-limite.

Há pouco dizia que gostaria de ser rei para cumprir a sua obrigação para com o país. Reservando os poderes apenas para situações de emergência, como é que poderia intervir na situação actual? – Basta ver o que acontece na Europa do Norte, onde os reis têm uma grande influência cultural e pedagógica. Dão o exemplo através das causas que defendem. Os presidentes também o tentam mas, quando já sabem fazê-lo, acaba o mandato e não podem ser reeleitos.

Qual a razão para os presidentes não poderem ser reeleitos se o povo assim o quiser? – É simples. Os repu­blicanos que elaboraram as consti­tuições vêem um presidente como um potencial ditador. Outra expli­cação pode ser que muitos gosta­riam de ser presidentes e não con­vém que alguém lá fique eterna­mente. A limitação dos mandatos presidenciais é absurda.

Duas das premissas da democracia são a igualdade de direitos e de oportuni­dades entre todos. A monarquia não é o oposto de tudo isto? – Em teoria, a república é mais per­feita como regime democrático. Mas o que interessa no funciona­mento dos Estados é a prática. E os reis, muitas vezes, defendem melhor as liberdades democráticas do que os presidentes. Por outro lado, a sucessão não é automá­tica. O rei tem de ser aprovado pelo parlamento. Os perigos aparentes da monarquia estão previstos e con­trolados pelas leis.

Não pode chegar ao trono alguém manifestamente incapaz? – E o presidente da república pode ser um louco e estar ligado a narcotraficantes. Pode ser completamente inca­paz e ser eleito. Basta que tenha dinheiro e uma boa equipa de publicitários brasileiros. Não há testes psi­cotécnicos para os candidatos a presidente.

Quais são neste momento os principais problemas que Portugal enfrenta? – O primeiro é a falta de raciocínio lógico. No sistema educativo não se treina a lógica, e isso leva a que não se compreenda a importância do civismo. A falta de lógica faz também com que os governantes ainda não tenham definido um modelo de desenvolvimento para o país. Vai variando por modas e por interesses de gru­pos. Continuamos, por exemplo, a estimular a utilização de automóveis quando se devia apostar no transporte ferroviário. Tudo quanto seja desperdício de energia é sintonia de um modelo de desenvolvimento errado.

Falta qualidade à classe política portuguesa? – Há, evidentemente, pessoas sem qualquer qualidade moral que, infelizmente, continuam a ser eleitos para as câmaras municipais...

Quer dar exemplos? – Não é preciso. Felizmente a opinião pública já começa a estar atenta a esses casos. Mas há pessoas manifesta­mente desonestas que continuam a ser apoiadas pêlos partidos. Os políticos, aos poucos, também desacredi­taram o Parlamento, e isso é perigoso para a demo­cracia. É claro que, por todos os governos, também têm passado ministros de prestígio e qualidade.

Costuma votar? – Voto sempre nas eleições municipais e tenho votado nas legislativas.

E nas presidenciais? – Não. Se considero que a instituição está errada não faria sentido proce­der de outra forma.

Vota Partido Popular Monárquico (PPM) nas legislativas? – Não vou dizer em quem voto, mas é importante que haja mais depu­tados que dêem prioridade aos problemas ambientais.

Faz sentido um partido monárquico con­correr a eleições num regime republi­cano? – Durante a monarquia havia um par­tido republicano que chegou a reu­nir sete por cento dos votos e ven­ceu algumas eleições municipais. Mas penso que não é bom identifi­car a monarquia com um partido político. Há monárquicos em todos os partidos.

Nuno da Câmara Pereira, presidente do PPM, diz-se o legítimo herdeiro do tro­no. Como comenta? – Do ponto de vista jurídico e histó­rico não tem base nenhuma. Sempre tive uma boa relação de amizade com ele, até que um dia se zangou comigo por qualquer razão que me escapa.

Que opinião tem dele? – É um excelente artista.

O aborto voltou a estar na ordem do dia. Concorda com nova consulta popular? – Fazer referendos sobre o direito à vida é um terreno muito perigoso. A seguir teremos uma consulta sobre a eutanásia... E quem tem o direito de matar os doentes? O médico, a família, o Estado?

E se for o próprio a decidir sobre a sua vida? – Isso é o suicídio.

Pode haver um desejo expresso... – Nesse caso ninguém se pode opor. Se alguém se quer matar está no seu direito. Não podemos é correr o ris­co de o Estado, aos poucos, autorizar que decidamos sobre a vida de outros.

Ainda sobre o aborto. As mulheres que os fazem devem sen­tar-se no banco dos réus? – Penso que não. É uma decisão difícil, tomada em gran­de stresse.

Então é a favor da descriminalização? – Julgo que as mulheres não devem ser julgadas nem con­denadas. Quem deve ser perseguido são os praticantes do aborto. Os médicos, as clínicas, as abortadeiras... Esses devem ser condenados.

E a prostituição, deve ser legalizada? – Penso que sim. A prostituição é um mal, mas a situação vigente é a pior de todas. É caos, a desordem, a falta de higiene... E, numa sociedade livre, ninguém tem o direito de proibir uma mulher de vender serviços sexuais. Por outro lado, existem muitas formas de pros­tituição que são aceites pela sociedade, como a secre­tária que tem relações sexuais com o patrão e recebe algo em troca. É a mesma coisa.

Nos últimos tempos muito se tem falado das tensões étnicas em Portugal. O que defende em termos de política de imi­gração? – A abertura descontrolada das fronteiras conduz a todo o tipo de situações perigosas, a começar para os pró­prios imigrantes. Quando um povo se sente ameaçado por uma minoria muito afirmativa, como é o caso dos muçulmanos em França, surgem reacções hostis. Em Portugal o problema é que não houve apoio à inte­gração da segunda geração de imigrantes. As crianças de raça negra têm dificuldades de adaptação à escola, problemas de pobreza e de exclusão social. Ou se faz um grande trabalho tendo em vista a sua integração, ou vamos ter muitos problemas no futuro.

Defende que as entradas devem ser controladas. E quem já cá está? – Se têm uma actividade económica e uma posição correc­ta perante a vida, os imigrantes devem ser respeitados. Se se dedicam a actividades marginais e não são portu­gueses devem ser expulsos. Não faz sentido ter margi­nais estrangeiros em Portugal. Já bastam os portugueses.

Na semana passada, em Londres, assistimos a mais um aten­tado terrorista. Esta espiral de violência pode ser vista como um a guerra entre o Ocidente e o Islão? – É, de facto, uma guerra. Faz-me alguma impressão ver certos políticos, com ar de virgens ofendidas, queixar-se da cobardia dos bombistas que se suicidam. Podem ser muitas coisas mas cobardes não são. Só se matam porque acreditam que estão a lutar por uma causa jus­ta. É complicado dizer isto mas nós, portugueses, tam­bém estivemos envolvidos numa guerra terrorista durante dez anos. Uma guerra que ganhámos militarmente mas que perdemos no aspecto político.

Como se ganha uma guerra contra o terrorismo? – Pela via militar é muito difícil. E preciso analisar as cau­sas e atacar o assunto do ponto de vista político. As situações de pobreza e miséria favorecem o cresci­mento do fundamentalismo. Em parte é por aí que se deve atacar o problema. Por outro lado, não podemos deixar pregar a guerra santa entre nós e nada fazer em nome da liberdade de expressão. Não podemos deixar que os fundamentalistas promovam o terrorismo e actuar só depois de as bombas explodirem.

Devemos reprimir essa liberdade de expressão? – Tal como não aceitamos discursos de ódio racial, tam­bém devemos perseguir a promoção da violência e do terrorismo. Temos de pensar que estamos numa situação de guerra e não podemos deixar que as liberdades se tor­nem fraquezas. Felizmente, em Portugal, a comunidade muçulmana é exemplar e muito trabalhadora.

Se neste momento lhe aparecesse o génio da lâmpada que três desejos pedia? – Desde criança que acredito na ideia do Quinto Império. Uma época em que os governantes actuariam sempre com base na Justiça e nos princípios do Espírito Santo.

Faltam dois.

– Impedir que a Humanidade destrua o Ambiente. – E, finalmente, que a minha família consiga ser feliz e ao mesmo tempo contribuir de forma válida para a comu­nidade em que vive.

Essa contribuição passa pela instituição da monarquia em Portugal e pela sua aclamação como rei? – Não é necessário. Pode passar por muitos outros domí­nios da intervenção cívica, social e cultural.

Entrevista> José Eduardo Fialho Gouveia
Fotografia> João Cortesão Gomes
In – "O Independente"
15 Julho 2005