quinta-feira, julho 07, 2005

A substância da forma

“ (...)
Os italianos primeiro e, logo a seguir, os russos ofereciam-se para tomar a seu cargo a sepultura de George Sorel – pobre e abandonado recanto dum cemitério de França, que uns e outros se propunham transformar em prodigiosa Memória, digna de culto que a Itália fascista e a Rússia soviética julgam dever ao seu nome.
(...)
Mussolini e Lenine são no fundo, a interpretação italiana e a interpretação russa do método soreliano. Na França, apesar de todas as homenagens da “esquerda”, reclamando-lhe a paternidade, talvez seja um homem da extrema-direita, Maurras, quem melhor entendeu o gladiador sindicalista.
Assim, postas as coisas nesta nitidez de recorte, haverá espíritos que se confranjam. A realidade tem, porém, os seus direitos.
Sorel explica todo o nosso tempo. Sem ele, o caminho feito por certos excessos não seria possível e esta época teria, evidentemente, uma fisionomia diferente.
(...)
É que todos nós temos responsabilidades na criação do ambiente soreliano; todos nós aplaudimos a sua impiedosa destruição de mitos; todos respirámos, com entusiasmo, a onda de eflúvios dinâmicos que emanava, espontaneamente, dos seus conceitos vitais.
Claro está que ao aplaudirmos, por exemplo, a violência dos ataques contra o Direito Formal, não visávamos de modo algum, a anulação das garantias para a Pessoa Humana; antes pensávamos criar uma maior plasticidade ao “meio” jurídico em que o Homem se move e assim melhor acautelar-lhe e assegurar-lhe os direitos naturais. Mas, rompido o dique, de que um certo formalismo constituía o indispensável cimento, nada poderia já deter a onda dos instintos, contra a qual o Homem reconhece, aterrado, toda a sua impotência nesta hora dramática...
(...) O verniz das fórmulasaverigua-se, agora – não só encobria, aos nossos olhos, inúmeras misérias, como impedia que fôssemos, na verdade, mais miseráveis ainda.
O valor intrínseco da personalidade foi sacrificado, antes de tudo, às preocupações duma nova ordem moral...
(...) O que urge frisar é a perda do respeito que o homem considerava dever ao homem, há apenas uns trinta anos atrás.
Queda brusca, queda aterradora para os direitos do espírito e da sensibilidade humana...
(...)”

Rolão Preto, in Revolução Espanhola.


Nota pessoal e intransmissível:
O meu comentário podia resumir-se ao título que escolhi para encimar estas reflexões de Francisco Rolão Preto, em plena guerra civil Espanhola.
Mas este texto não tem data. Os mesmos erros já fizeram o seu curso, estão entre nós, dissimulados na cultura de facilidade (e submissão) que instalámos à nossa volta. Sem o sabermos, fazem parte das nossas vidas! Na primeira oportunidade, vão reaparecer triunfantes, para executarem o seu sinistro trabalho. É certo que os “muros” entretanto caíram, que a paz perpétua parece garantida, mas desenganem-se, as ideologias não acabaram, estão só no “intervalo”!

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