segunda-feira, agosto 22, 2005

Miguel exemplar

O muro não caiu, está de pé, aqui em Portugal! Lá fora a liberdade, cá dentro, uma união soviética qualquer, alojada no inconsciente colectivo, embrutece e tiraniza tudo à sua volta, e nós, indiferentes, nem sequer nos importamos com isso!
Se alguma dúvida houvesse, o desfecho vergonhoso do chamado “caso Miguel”, convocaria todas as certezas.
Claro que como não podia deixar de ser, o futebol está sempre envolvido, já que é a única manifestação visível da sociedade civil que somos, (como acontece em qualquer regime de matriz soviética), e nesse sentido, não posso fugir à questão, indispensável para explicitar a minha declaração inicial.
Analisemos factos e intervenientes:
Miguel, pela mão do Sindicato dos jogadores (?) e após “enterro” preparado e anunciado por toda a comunicação social, foi obrigado a retratar-se e a pedir desculpas, publicamente, com base em acordo judicial (!), para satisfazer os interesses (quais?) dos membros da auto-denominada “instituição nacional de referência” – o Benfica!
Como também seria prática numa qualquer democracia popular de leste, os termos precisos do que realmente aconteceu, permanecem obscuros e a comunicação social que temos encarregou-se de desfocar o assunto!
Miguel, assim punido, pelo clube do povo ou do partido, do exército ou da polícia política, pode enfim emigrar para o “Ocidente”, para um país livre!!!
Mas deixemos este caso elucidativo e fixemos os aspectos gerais, mais preocupantes:
Antes de tudo, a alienação pelo futebol, corrijo, pelos clubes grandes, nunca vista, (nem no tempo de Salazar), ocupando intermináveis noticiários, com declarações patéticas de desígnio nacional, com “plateias” ridículas a assistir aos jogos, (lembram-se de Sevilha?!), com os presidentes dos clubes grandes, impunes, (enquanto forem presidentes), a tomarem atitudes que qualquer cabo de esquadra deveria impedir, etc., etc., etc.,...
Depois, temos os comportamentos dos que deveriam dar exemplo, mas que estão num estado de alienação muito mais avançado que o comum da população:
Refiro-me aos representantes do povo, os deputados – o que é que vemos? São todos adeptos fervorosos dos clubes grandes, sejam eleitos por Faro, por Viseu ou por Coimbra, sejam por onde for!
Esta mentalidade redutora, filha primogénita do medo e da vergonha de perder, da vergonha de serem naturais de outra terra que não de Lisboa, é uma tara que tem vindo a agravar-se com esta “democracia”, e é um dos argumentos mais fortes que sustentam a tese que o regime é insalubre. Reparem que nem existe qualquer motivação de natureza económica, (atenuante e preocupante ao mesmo tempo), é pura e simples infantilidade!
E não me venham com o argumento de que o país é pequeno, porque eu respondo, que pequeno é o cérebro de quem assim se justifica. Lembro apenas que ainda há poucos anos, em plena ditadura franquista, os Galegos, por exemplo, também eram todos do Real Madrid ou do Barcelona, assim como era impossível imaginar que o Deportivo da Corunha pudesse alguma vez sonhar em ser campeão de Espanha!
Mas, restabelecido o regime legítimo, os espanhóis (incluindo os Galegos), trataram-se, e pelos vistos a doença tinha cura!
Não posso entretanto terminar sem disparar sobre a nossa “intelectualidade”, meu Deus, tão semelhante aos equivalentes soviéticos: também aqui existem poetas que exaltam o clube do povo! Sentindo o incómodo, defendem-se dizendo que têm um segundo clube no coração! Pior a emenda que o soneto, porque então deviam pagar imposto pelo luxo de terem dois clubes (!) e, não ficava mal, serem confrontados sobre a fidelidade!
Pena é que o estro não lhes dê nunca para se inspirarem no pequeno clube da sua terra...
E os maestros do regime, que lindo, a comporem marchas, hinos e outras partituras, ao glorioso clube dos “não sei quantos” milhões! E que bonito seria, se houvesse só um clube, vá lá dois, para ser um “casalinho”!
E se eu me ficasse por aqui, que isto já me começa a meter nojo?!
Com despedida a preceito:
- Até sempre, camaradas!

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