sábado, agosto 20, 2005

Um poema de Ruy Cinatti

Maggiollo Gouveia

Este homem Maggiollo tem sido falado.
Comandante da Polícia em Timor-Díli.
Em comissão. Era tenente-coronel ou qualquer
coisa.
Não gostei, desconfiei dele, ao princípio.

Motivo: Ele simpatizava com a U.D.T.,
hoje partido unido a Indonésia, outro remédio
não tinha...
Naquele tempo, não era. Era um partido de
velhos-relhos hábitos ligados ao Portugal
-glórias do Império cediço e ultramarino.
O que foi, foi...
Tudo isto nas barbas do Emboóte
ou bode vocálico, o que quer que seja, voceliço,
snr. governador,
assediado pelos papafigos
infantaços traidores jónatas e motas e mais uns
tantos tontos
da Metrópole - ministros, presidentes,
comissões de descolinazações, etc... cujo
nome há-de vir a lume, alguns já vieram...
Aquele partido e os outros, os jónatas e os
motas capitães-majores
fizeram do governador um trapo
altas horas da noite, a horas mortas,
com a FRETlLIN. A APODETI não valia um caco,
hoje é o que se está vendo...
O que digo, digo, eu não minto, sinto...
e não pertenço a nenhum partido político, o PPM
não o considero,
pelos tempos dos tempos etereamente...
Ah, Timor, Timor, berço de inocente...
Isto é Tomás Ribeiro, és indecente!...
mas de que eu gosto e repito...
Berço de inocentes...
de acerbos, sim de etéreos espinhos!
Isto é meio-Garrett, és cotovia!
Acaba rapaz com o narcisismo.
Voltemos à vaca quente, ao búfalo, ao Maggiollo.
Foi em qualquer dia-noite da época seca ou
das chuvas,
quando os eflúvios frigoríferos se evolavam
do Caicóli,
como se sabe, o pseudo-pântano de Díli, há o
verdadeiro, como também se sabe...
que a explosão excluiu, não este, aquele...

Emoldurada de muita papelada a UDT
apresentou provas
de que a FRETILIN preparava manobras
na sombra e dignas de registo.

Sei que o paspalhão dignou-se ouvi-la (à UDT).
Sexa meteu o dedo no olho e vazou-o
(desculpem, eu queria dizer boca, mas o dedo
enganou-se
e foi direito ao olho, valha a verdade!)
Feito isto, a UDT apoderou-se do Quartel da
Polícia de Díli
e o Maggiollo concordou O.K. vamos a isto,
porque o Maggiollo não podia com jónatas e
motas...
porque eles meteram o dedo do governador no
olho
ou no ouvido das(?) tropas-do-fagote
ou no outro das tripas-medo-fedolosas...
e no fim de contas o Maggiollo era português,
católico de religião, etc. e português
que não gosta que lho enfiem no tótiço,
enquanto que o vocálico, o jónatas, o mote, et
relíquias
foram uma pouca de merda,
os segundos merda que deu a volta ao mundo
- Timor, Timor! Estou acordado!
porque o primeiro foi para Ataúro!...
Enfim, merda activa ou papas, uma pouca de
merda!

Claro, que ouvida a história da UDT,
o jónatas e o mota meteram no jeep, foram a
Taibesse e avisaram a fretilíssima malta:
Atenção, ordinário-marche, a casa é vossa e
o material, nós vamos pisgar-nos quanto
antes...
e assim a FRETlLIN se apossou de Díli, a capital,
e do Maggiollo, comandante da Polícia,
enquanto a UDT, a APODETI, a KOTA e toda a
franklinada dos chefes de suco, cuda-reino,
etc., cavalos e luliks
marchavam pró Katano, quero dizer Indonésia,
palavra japonesa aquela que quer dizer porra
afiada,
não sem terem enviado para o katano os
portugueses furta-cores,
a banhos do futuro.
O Maggiollo não foi, outra a vilegiatura.

Recuemos um pouco. Não uso fichas.
É o que me sai, cai do bestunto
e nem sequer sou prudente e verifico os factos-
datas.
Sou assim como o Xenofonte ou o Fernão
Mendes Pinto,
o que para a história trágico-burlesca da burla
não tem grande significado, a significação.

Sim, porque na verdade, a manobra
de há muito preparada,
como se provou pela tal papelada,
foi pela frente e levou-se de arrancada
e ousadamente.

Ousada não, tinha a seu favor
a porreirice dos motas mai-los jónatas...
Conseguido o desideratum,
a FRETILIN agarrou no Maggiollo,
deu-lhe porrada até ficar sangue,
deu-lhe carne de crocodilo podre
e mandou-o passear para qualquer parte,
praia, ilhas, monte, não a prisão de Aipêlo-Tibar
ontem
e ainda há pouco praia de domingo.
Julgo que o enviaram para Aileu a tomar ares
- bom clima...
O melhor foi que as tareias continuaram e
aumentaram
sempre que chegavam as brigadas Che
Guevara
muito senhoras
das poucas cervejas que ainda havia, das
galinhas, dos porcos
que os timores locais lhes entregavam atónitos,
dizendo para si: Os Portugueses voltaram?
Até parecem administradores malais
(quero dizer, portugueses chefe de posto,
secretários, administradores, enfim a
cafreada do costume)
e quando lhes não chegava a paparoca (às
brigadas)
sobremesavam-se com pudim flan-porrada no
Maggiollo
até o Maggiollo adormecer, cair de sono.
Grandes pontos estas brigadas «cubanas» da
FRETILIN !

O que se passou, não sei. Não leio jornais. Sei
que o mataram
uns portugueses, como é costume, via timores
educados em Lisboa...
Lembro outro português, Canto Rezende,
morto em Timor-Alor por outros traidores iguais
a estes,
poucos mas muitos e chega dizer basta!
e eu não acredito.
Desculpem o tom displicente do relato.
A história repete-se, já estou habituado e o
hábito é canja!

Maggiollo Gouveia foi morto de joelhos, a tiro
(«Grande condestabre, alma pura e bela!»),
de joelhos, de pé
(de pé ou sentado, tanto se me dá).
Rezava a Nossa Senhora de Fátima
(segundo o testemunho-carta-idóneo do
Bispo de Díli, D. José-Joaquim). Depois de
assassinado disse: Atirem!
Rezava a Jesus Cristo-Portugal!

Não fui prolixo, apesar de tudo.
Continuo farto, à boca cheia.
No poema, considero os fins,
não os efeitos fáceis da mistura.
Eu não quero literatura, eu quero poesia,
igual ao livro, eu quero mudar a vida!
Como é bom assim...
Foi tudo escrito ab initio in illo tempore...
do sacrifício de Abraão...
seu filho lsaac... pelo realizador
de um filme célebre – TRAGÉDIA EM TIMOR.

Farto, farto, farto,
é(?) fardo que pesa, uma maravilha de fato.
Pareces um S. João Baptista, coberto de
andrajos!
E peço desculpa à Mãe de Maggiollo Gouveia.
E estou de rastos, não sei soluçar... Agora digo.
Não te conheço, mas sinto-te
ó Senhora Mãe, para que me entenda!...

Búfalos, búfalos, búfalos...
Matem-nos, imolem-nos... Antes matar búfalos
do que matar homens.
Eu sou agrónomo-etnólogo, conheço
o poder puríssimo do sangue.
Quero dizer: lava e polui.
Polui, mas estruma e depois lava-se no sangue
puríssimo...
Mas 100.000 mortos homens-búfalos, basta, já
chega, não matem mais! Bastavam dois,
uma dúzia ou... nenhum.

Maggiollo Gouveia é o meu retrato.
Sou filho e J. C. de Jesus Cristo.
Se os Timores quiserem outra vida que, como é
sabido, lhes substitua um búfalo,
ofereço-me.
Eu já escrevi em Uma Sequência Timorense,
livro esgotado há muito tempo:
Os Timorenses só terão razão
quando me matarem.
Tudo isto nas barbas de outro governador
ou bode, «voceliço», o que quer seja.

Repito, repito, repito:
Não vou, não vamos, não vou dar gritos
selvagens
- Vingança! Viva Portugal!
O meu perdão é outro (fora a vingança).
Timor perdido para Portugal, que não é política,
a de antes e depois do 25 de Abril,
nobre Povo!...

A minha amiga Fulana telefonou-me:
Tu não escreves poema ao Maggiollo?
Eu disse: Não! Há coisas que me irritam,
assim a noite estúpida e eufórica,
assim a morte estúpida ou empírica
de um passarinho pelo capricho de intuitos de
criança
(essa inocente), o resultado o mesmo.
Os mortos não me interessam.
Os heróis não me interessam.
Interessam-me os que não querem nem pensam
em heroísmo.
Se fosse Burton: A Man for all Seasons...
Explico - Arcebispo de Cantuária e Tomás
Beckett...
Seria bispo em Timor-Díli.
Diria, como D. José-Joaquim, bispo de Timor-Díli,
afinal disse,
atirando as patas ao «voceliço»:
Honra de Timor, dos Portugueses, senhor
governador!
Não vou com V. Exa. para Ataúro. Eu fico!

Eu, Ruy Cinatti, diria:
Honra de Timor, de Portugal,
o que vem a dar ao mesmo,
eliminados alguns...

Quanto, a heroísmos, lembro St. Exupéry,
Terre des Hommes - poderia ser Terra de
Timores:
«Et Je poursuivis mon voyage parmi ce peuple
dont le sommeil était troublé comme un
mauvais lieux. Il flottait un bruit vague fait de
ronflements rauques, de plaintes obscures,
du raclement des godillots de ceux que,
brisés d'un coté, essayaient rautre. Et
toujours cet intarissable accompagnement
de gallots retournés par la mer».

Recuando um pouco,
Inspiro-me em(?) St. Exupéry, antepondo
qualquer coisa pouco mais ou menos.
O que me interessa não é a merda que há neste
poema,
mas em cada um de nós homens um Maggiollo
assassinado.
Agora St. Exupery, o autêntico
(com todos os enganos de tradutor-traidor, esse
desgraçado...):
Só o Espírito, soprando no fio da Espada pode
criar o Homem.
Seul l’Esprit, s’il souffle sur la glaive, peut créer
l’Homme.

Prefiro a Espada (sou feito de barro, greda,
como é costume)
sobre a geada gélida e vidro argênteo, um lírio
azul roxo divino...
E que ninguém ouse servir-se, servindo
caminhos ínvios, conhecidos,
servindo neste poema os seus ilegítimos
interesses íntimos...
Maldito! - direi como João, o Evangelista,
apocalíptico profeta do Amor!

IN - Pública nº. 377 / 17/08/2003
Jornal PÚBLICO 4896


O Interregno está para Ruy Cinatti
como o poeta para a Poesia .