domingo, julho 16, 2006

"Vós Que Passais Entre as Palavras Passageiras"

Vós que passais entre as palavras passageiras
Levai os vossos nomes e parti
Retirai do nosso tempo as vossas horas, parti
Extorqui o que quiserdes
Do azul do céu e da areia da memória
Tirai as fotografias que quiserdes, para saber
Que não sabereis
Que as pedras da nossa terra
Sustentam o tecto do céu

Vós que passais entre as palavras passageiras
Vós forneceis a espada, nós fornecemos o sangue
Vós forneceis o aço e o fogo, nós fornecemos a carne
Vós forneceis outro carro, nós fornecemos as pedras
Vós forneceis a bomba lacrimogénea, nós
Fornecemos a chuva
Mas o céu e o ar
São os mesmos para vós e para nós
Tomai pois o vosso quinhão do nosso sangue, e parti
Ide jantar, festejar e dançar, depois parti
A nós cabe-nos defender as rosas dos mártires
A nós cabe-nos viver como queremos

Vós que passais entre as palavras passageiras
Como a poeira amarga, passai por onde quiserdes
Mas não passeis no meio de nós como os insectos
Volantes
Nós temos que trabalhar na nossa terra
Temos que cultivar o trigo
Que o regar com o orvalho dos nossos corpos
Nós temos o que não vos agrada aqui
Pedras e perdizes
Levai, pois, o passado, se quiserdes
Ao mercado de antiguidades
E devolvei o esqueleto à poupa
Num prato de porcelana
Nós temos o que não vos agrada
Nós temos o futuro
E temos que trabalhar no nosso país


Vós que passais entre as palavras passageiras
Empilhai as vossas ilusões numa cova abandonada,
E parti
Restituí as agulhas do tempo à legitimidade do
Bezerro de ouro
Ou à cadência musical do revólver
Nós temos o que não vos agrada aqui, parti
Nós temos o que vós não tendes:
Uma pátria que sangra, um povo que sangra
Uma pátria útil para o esquecimento e para a
Lembrança

Vós que passais entre as palavras passageiras
É tempo de partirdes
De vos fixardes onde vos aprouver
Mas não vos fixeis no meio de nós
É tempo de partirdes
De morrerdes onde vos aprouver
Mas não morrais no meio de nós
Nós temos que trabalhar na nossa terra
Aqui, nós temos o passado
A voz inaugural da vida
E temos o presente, o presente e o futuro
Temos o cá em baixo e o lá em cima
Saí, pois da nossa terra firme, do nosso mar
Do nosso trigo, do nosso sal, da nossa ferida
De todos os lugares, saí
Das lembranças da memória
Ó vós que passais entre as palavras passageiras.

Mahmud Darwich

(trad. de Albano Martins)

Sem comentários: