sexta-feira, junho 01, 2007

Acefalograma

“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas…
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos…
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo…
A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas…
Dois partidos… sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, …vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no Parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar…”

Assim escreveu Guerra Junqueiro há mais de um século, e não sabemos o que mais admirar: se a actualidade do retrato, se a incapacidade do poeta em compreender a realidade!
Tem razão Guerra Junqueiro no que descreve, mas não tinha razão quando meteu as razões na conta da Instituição Real. Ao ponto de incentivar o Regicídio!
Este filho da revolução francesa enganou-se redondamente quanto às causas da decadência, e está como Manuel Alegre que agora descobriu que os partidos que nos desgovernam são um ‘arcaísmo’ e fonte de todos os malefícios! Tarde piaste, como diz o outro!
Porque o diagnóstico é outro: a fatal confusão entre república e democracia, entre democracia e sufrágio… e a pescadinha de rabo na boca!
Quem não percebeu, paciência.

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