quarta-feira, julho 24, 2019

A herança



'(…) Recebeu soutos esquecidos, caminhos que se perderam, casas e muros vencidos, que as silveiras já esconderam...'

Tragédia ou fatalidade, já escrevi sobre a 'estação dos fogos', a sua inevitabilidade, num deserto interior onde só há árvores e por isso não vivem nem podem viver pessoas. Já todos sabemos que os herdeiros dessas terras abandonadas emigraram há muito, ou para o estrangeiro ou para os dormitórios de Lisboa e Porto. Já calcorreámos as serras onde outrora pastavam rebanhos e agora só dá pinheiros e eucaliptos. Já constatámos que está tudo menos verde e tudo cada vez mais fumegante. A decantada riqueza florestal é afinal a nossa pobreza. Mas não de todos. E esta é talvez a última tragédia. Entre o cortejo de dor o inferno ameaça tornar-se uma indústria sazonal! O ganha pão certo de muita gente e de muitas empresas. Incluindo as televisões e os seus inúmeros microfones. Estarei a ser insensível ao drama?! Ingrato para quem arrisca a vida a lutar contra o fogo?! Talvez. Mas uma tragédia não pode ser uma fatalidade. As tragédias acontecem de vez em quando, são imprevisíveis. As fatalidades acontecem todos os anos, fazem parte da herança. Uma herança que nem sequer podemos repudiar! Mas podemos emendar, deixando melhor herança aos vindouros. Assim terá pensado Dom Sancho I, segundo rei de Portugal, de cognome O Povoador. Parece-me que o caminho é este. Mas talvez seja preciso mudar de regime. A república não vai lá.

Sem comentários: