Adorava Constituições! Quanto mais novas, melhores. Buscava nelas, o retrato perfeito, a identidade sonhada, sem as rugas do passado, sem os seus podres, sem as suas dívidas. Do passado queria apenas as coisas boas.
Curiosamente, ou talvez não, tinha uma vida amorosa semelhante. Perseguia amantes, umas atrás das outras, na esperança de encontrar, finalmente, a alma-gémea com quem seria eternamente feliz.
Claro que isto estava a dar com ele em doido! Mas não desistia, a próxima é que era…
A paixão (o vício) Constitucional nascera da leitura de um livro sobre a tomada da Bastilha e os acontecimentos posteriores, em França!
Ficara verdadeiramente deslumbrado com a possibilidade de um Povo, construir, de um jacto, uma nova identidade, livre de todas as grilhetas, de todas as superstições! E depois, a epopeia daquele general italiano, que à frente das tropas francesas, levara a boa nova a quase todos os povos da Europa… deixava-o sempre comovido…
Sabe-se que a coisa não correu bem e que outras tentativas no mesmo sentido, ainda correram pior, mas ele considerava-se um resistente.
A oportunidade de reescrever a História sem olhar para trás, aí estava de novo com uma nova Constituição, agora, Europeia! O vício acordou-o, mas pela primeira vez, a vontade hesitou. Começava a estar cansado da busca e algo desiludido com os resultados.
Um bom amigo já o tinha aconselhado a tratar-se, e adiantara inclusivamente, que as sucessivas crises de identidade de que visivelmente padecia, tinham origem na sua baixa auto-estima, provavelmente provocada por uma memória maliciosamente selectiva. Nada, que um bom psiquiatra não lhe soubesse explicar.
Se pensasse bem, insistiu o amigo, nem tinha razões para estar assim! Afinal, bastar-lhe-ia aceitar a globalidade da herança com um espírito de humildade e grandeza, e então descobriria, na sua história pessoal e colectiva, factos e feitos suficientes para se motivar. Quanto ao bilhete de identidade, escusava de o procurar na nova Constituição, porque decerto ele estaria lá em casa, fechado ou perdido nalguma gaveta…
quarta-feira, junho 01, 2005
O amante constitucional
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