quarta-feira, novembro 29, 2006

Droga-te com cuidado

Evita as doenças, eu ajudo-te a consumir nas melhores condições, é uma pena que isso te faça mal à saúde! Saúde física, bem entendido, aos dentes, ao fígado, aos pulmões, à pele, tens aqui seringas, vou ali buscar heroína e já venho, passarei por aqui todos os dias e conversaremos sobre a tua vida, não queres um prato de sopa?! Até amanhã.
Este diálogo existe, eu não posso julgá-lo, nem sequer criticar quem assim procede. Muita gente de boa fé acorre na tentativa de combater um estranho mal que tomou conta do mundo, que não conseguimos atribuir aos nossos hábitos, aos valores que abandonámos, porque isso, sim, seria doloroso, estávamos a pôr em causa tudo aquilo em que hoje acreditamos!
Mas se esta atitude ainda se pode compreender em termos individuais, já não é aceitável que o Estado permaneça cego perante o erro, ocupando o discurso com a ‘redução de danos’, prova insofismável de conformismo, ao mesmo tempo que envia para a sociedade uma mensagem terrível – a droga só é um mal porque não te faz bem à saúde!
E não se diga que todas as ajudas são boas, porque algumas acabam por inviabilizar ou anular outras, bem mais condizentes com a dignidade da pessoa humana.
Ainda por cima, sem êxito: o aumento do HIV e das suas consequências, como a tuberculose, espelham o fracasso desta política!
Neste contexto, é lícito perguntar: mas porque não muda o Estado, ou o Governo, de política?!
Porque isso seria refutar a filosofia triunfante, obrigaria a rever conceitos, a recuperar valores entretanto postergados, com consequências tremendas para os senhores do regime.
Não vejo outra explicação.

terça-feira, novembro 28, 2006

A descoberta

Próximo de Badajoz, Sócrates olhou pela primeira vez a Península e descobriu imediatamente que havia ali um destino comum. Tudo se conjugava para o efeito, desde logo a geografia, a diversidade das regiões e dos seus habitantes, a origem da língua, também o gaz e a electricidade, o tgv, apenas a história se afastava deste padrão uniforme, desta lógica identitária!
Nada que não se resolva, pensou. Não vamos é alimentar este divisionismo ridículo, obra de ingleses ou excesso de virilidade do primeiro Afonso. Não nos podemos esquecer que já vivemos semelhante tentativa, estou a pensar nos Filipes, pois claro.
Foram sessenta anos de felicidade abruptamente interrompida por um punhado de fidalgos incapazes de compreender o sentido da modernidade, a inevitável inclusão. Tudo aconteceu num primeiro de Dezembro de 1640!
Tentaremos pois de novo, mas com uma variante: é preciso manter uma falsa independência, fictícia em tudo, menos nos cargos públicos. Continuaremos a fingir que somos um país, elegeremos os nossos deputados, o primeiro-ministro serei eu, por muitos e bons anos, sem esquecer que um presidente da república faz sempre parte da fachada.
A população apertará o cinto durante o período de adesão que nos for imposto por Madrid, mas a ‘cenoura’ do salário castelhano, o prometido desenvolvimento e outras vantagens futuras, hão-de por certo amaciar os portugueses.
Portugueses que, perdidas as colónias, já pouco têm em comum.
E depois, é uma enorme alegria trabalhar com Zapatero, um homem atirado para a frente como eu!
Ainda estou admirado como é que ninguém reparou na evidência: a Península Ibérica afinal é só uma!

segunda-feira, novembro 27, 2006

Sampaio Não

Mas parece que Sampaio sim!
O ex-presidente de todos os portugueses, estatuto de que beneficia e lhe vale um conjunto de mordomias e prebendas, com direitos e deveres incluídos, veio a terreiro anunciar o seu envolvimento na campanha pelo sim ao aborto!
Pergunto-me: Por onde andará a tão celebrada ética republicana?
É que não fica bem manter o estatuto de ex-presidente da República, sustentado por todos os portugueses, e ao mesmo tempo participar politicamente em campanhas que inevitavelmente dividem a sociedade.
Mas então, como poderia o cidadão Jorge Sampaio, sem comprometer aquele estatuto, exprimir-se nesta relevante questão?
Simples, fazendo como a grande maioria dos portugueses, ou seja, votando no referendo.
E mais não digo para não instrumentalizar a vida de ninguém.

sábado, novembro 25, 2006

Um dia de Comandos

Hoje paguei a bica ao Inácio. Ainda trazia a boina encarnada na mão, tinha vindo da Amadora, onde vai todos os anos para relembrar com os antigos companheiros de armas o dia 25 de Novembro de 1975.
Ele foi um dos muitos desmobilizados que acorreu à chamada e que participou nas operações que deram o triunfo à república que temos hoje.
Nada de especial, disse-me a brincar, para quem arriscou a vida, sempre disponível para defender a Pátria, como já tinha feito em Angola e Moçambique! À mesa do café, na minha frente, estava um soldado português!
Em poucas palavras disse-me o que a memória ainda guarda: frente ao portão fechado da Força Aérea em Monsanto, o Jaime Neves deu três minutos para se renderem, mas ao fim de dois minutos o portão abriu-se, estava toda a gente perfilada, e as armas empilhadas no chão. Em todos os outros locais sucedeu o mesmo, ou quase o mesmo, os cabecilhas fugiram, as forças oposicionistas renderam-se. Na Ajuda caíram dois Comandos atingidos cobardemente pelas costas.
O Partido Comunista, que manobrou sempre na sombra, fingiu-se de inocente e foi poupado no fim.
Enfim, digo eu, mas uma bica foi pouco.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Uma biografia do Duque de Bragança

O livro, “D. Duarte e a Democracia – Uma Biografia Portuguesa”, da autoria de Mendo Castro Henriques, foi ontem apresentado ao público, em concorrida sessão de lançamento.
O autor, professor da Universidade Católica e nosso companheiro de armas no “Duas Cidades”, lembrou que o biografado representa a “pátria com rosto humano” aludindo à necessidade de “estarmos preparados para o eventual regresso da monarquia”.
Registe-se que a data de lançamento desta biografia, coincidiu com o dia de anos da Senhora Dona Isabel de Herédia, Duquesa de Bragança.
O Interregno não pôde estar presente neste acontecimento, sem dúvida importante para a causa monárquica, mas pelo que soube através da comunicação social e do que leu na blogosfera, sente-se em condições de dizer que constituiu motivo de surpresa para uns, aplauso para outros, e de repúdio para muitos, o facto de Manuel Alegre estar entre os convidados.
Coincidindo com a minha posição de fundo e de sempre, não faço comentários nem teço críticas que possam envolver SAR o Duque de Bragança. É uma questão de princípio. No que diz respeito à prossecução dos objectivos que me norteiam no reencontro de Portugal com a sua história, basta-me repetir o lema da minha cruzada: os republicanos que fizeram o nó que o desatem. Como é que entendem fazer isso, é com eles. A mim cabe-me apontar o erro e chamá-los à razão, nada mais posso nem devo acrescentar.
A história há-de julgar-nos a todos.
Saudações Monárquicas.

quarta-feira, novembro 22, 2006

O argumento

Quando a coisa aquece, quando o banqueiro do povo, leia-se Garcia Pereira, tenta convencer a Banca a transformar-se na Santa Casa, eis que surge o argumento decisivo:
- Mas de que serve atacarem a banca se somos um dos sectores que mais se modernizou, um dos mais competitivos e aquele que melhores resultados obtém! Que o Governo se preocupe com as actividades que não souberam acompanhar os tempos, com essas entidades deficitárias que por aí pululam!
Se ouvi bem, este argumento de João Salgueiro era para mim, pior, era contra mim. Entidade deficitária me reconheço, os meus pobres euros nunca chegam ao fim do mês! Já envergonhado, ponho os olhos na banca, e pergunto: onde é que eu falhei? Porque me atrasei desta maneira!
Recobro a memória e lembro-me de semelhante discurso pronunciado pelos donos da bola! Valentim Loureiro, também ele pedia justiça para o futebol, essa laboriosa actividade perseguida pelo fisco, a contas com a mesma justiça, e que tão bons resultados tem obtido lá fora, o orgulho de uma nação!
Acordo para a realidade e verifico que a maior parte dos grandes negócios deste mundo assentam em organizações de excelência, difíceis de abater, e também elas com graves problemas com a lei!
Aprendo tardiamente uma lição de vida!

segunda-feira, novembro 20, 2006

Humor Oficial

Já tínhamos os bonecos da “Contra-informação”, temos agora que acrescentar o quarteto do “Gato Fedorento”! Na televisão pública, acho um bocadinho demais, não havia necessidade…
Sobre os bonecos, já em tempos me pronunciei. Quanto aos tarecos, referi na altura, que a política de admissões de funcionários públicos não devia passar pelos ‘entertainers’. Mas pelos vistos, passa!
E acontece o inevitável – as gracinhas têm a mensagem da propaganda oficial, e por conseguinte, para além de ser batota política, contribuem para estupidificar a população. Ah, mas a malta gosta, diz um dos tarecos.
Resposta: a malta também gosta de outras coisas que o Estado não deve fornecer ou proporcionar.
Ah, mas o Estado fornece e proporciona algumas dessas coisas.
Resposta: pois então que se revejam as funções do Estado, eu é que não sou obrigado a pagar a propaganda do regime.
É claro que o diálogo prosseguia, e eu perdia no fim. Ainda assim assiste-me o direito de protestar, neste espaço que é meu, por enquanto relativamente livre, excepto da minha própria censura.
Mas isto percebe-se melhor com exemplos.
A gracinha da noite era “uma teoria da conspiração” e adivinhem contra quem? Santana Lopes, pois claro. São tantos os candidatos antílopes, uns mais ornamentados que os outros, que chego a pensar, perfidamente, na frase atribuída a Adolfo Hitler – “Digam bem de mim, digam mal de mim, mas falem de mim”!
Uma coisa eu pergunto: porque será que nunca se lembram de parodiar, achincalhando, algumas das vacas sagradas do regime? Ou o próprio regime enquanto tal?
Bem sei que isto é muita areia para a camioneta dos tarecos, duvido até que saibam o que é o regime, mas eu explico: porque não se lembram de caricaturar ou ridicularizar o regime republicano?
Estão a ver: era giro.
Outra pergunta que se impõe é a seguinte: tencionam os tarecos aplicar a receita humorística ao processo da Casa Pia, por exemplo, ou a outros processos que ao poder fáctico interessa desacreditar?
Lá está, outro tema para entreter o pagode.
Termino com a habitual sugestão ao Governo: se, para emagrecer a despesa, tanto se aplicam em despedir funcionários públicos, comecem por estes tarecos.
Ah, e não se esqueçam dos bonecos.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Manias

Intimado pela ‘Torre a expor intimidades, não fujo ao desafio, com perdas e danos incluídos. O maior risco é perder noiva, outro, não menor, envergonhar amigos. Pois que seja:
Manias, tenho muitas, são mais do que as cinco permitidas, e a maior delas já conhecem – quando vou a qualquer lado, tomo rumo no Restelo! Mas não é para a Índia que sigo, a via marítima tem-se limitado ao barco da Trafaria.
Tenho dificuldade em livrar-me das coisas, e assim vou guardando e arrumando objectos, que estou certo, nunca utilizarei.
Sobre livros, custa-me ultrapassar as primeiras páginas, que vou lendo e relendo, na vã esperança de por esse caminho chegar ao fim!
Fui columbófilo assanhado e enquanto esperava nervosamente o regresso dos pombos, entretinha-me sem querer a trincar a ração dos animais. Para quem não saiba, devemos ter à mão um pouco da mistura de sementes para fazer com que os concursistas entrem rápidamente no pombal, ganhando assim minutos preciosos na classificação.
Sou supersticioso a jogar, seja qual for o jogo, e por aí enredo uma série de coincidências favoráveis ou desfavoráveis. Muitas vezes jogo contra mim e houve tempos em que só me deitava, depois de fazer determinada paciência.
Sonhar, é uma mania como outra qualquer, e eu habituei-me a sonhar.
E pronto, cumpri os mínimos. Mas estou convencido que quem me conhece não terá dificuldades em identificar manias bem piores.
Saudações monárquicas.
Há quem pense que é mania!

Post-scriptum:
- A ‘Torre’, é ‘A Torre de Ramires’, ver link na coluna dos blogs.
- Atendendo à minha solidão blogosférica, não posso nomear subsequentes.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Breve

“Não foi para isto que o PS ganhou as eleições”!
Quem o diz é a presidente da Caixa de Previdência dos Jornalistas perante a ameaça do corte de regalias!
Para situar a questão, esclarece-se que a senhora presidente, é a mãe do Ministro Costa, que por sua vez é irmão de outro Costa, o Ricardo, subdirector de informação da SIC. Parece que havia a garantia por parte do ministro da tutela, o amigo Vieira da Silva, que o dito subsistema de Saúde passaria incólume à uniformização em curso! Afinal, não foi possível garantir esse estatuto de excepção e por isso se compreende a reacção indignada da senhora presidente.
Portanto, ficámos a saber que não foi para isto que o PS ganhou as eleições!
Está bem.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Eco ponto

Acordei ao som de gemidos.
Veiga, que já foi do Porto e agora já não é do Benfica, o mesmo que passou pelo Estoril, está a contas com um banco do Luxemburgo. Foram-lhe à casa e tiraram-lhe tudo, até o tapete, oiço na telefonia.
Vieira, seu companheiro de armas, não aceita a demissão, gesto honrado que visa poupar o Benfica a algum dissabor. Danos colaterais dizem os entendidos em gramática.
Os jornais da especialidade foram mais uma vez apanhados de surpresa, pois quem acompanhou o assunto em directo foi a TVI, e já se murmura uma cabala contra o Benfica, a nossa Instituição de referência.
Espera-se, esperamos todos, pela onda de fundo, um movimento nacional de desagravo que possa reconduzir o injustiçado Veiga ao lugar que merece. Já se fala em recorrer ao Tribunal Constitucional, pois é para isso que ele serve.
Vamos aguardar com a serenidade possível pelo desaguar dos acontecimentos. Não é preciso puxarem pelo autoclismo, o saneamento básico e a lei da gravidade encarregam-se da ocorrência.

domingo, novembro 12, 2006

Um discurso alternativo

Não há despedimentos para ninguém.
O Estado não é uma empresa, não faz reduções de pessoal ou despedimentos colectivos. Também não pode encerrar ou deslocalizar-se, assim como não deve pensar em sueco ou finlandês porque os portugueses não percebem. Não há aqui demagogia, mas o simples cumprimento de um princípio: quando o Estado se responsabiliza pela admissão de alguém, esse alguém, desde que cumpra, não pode ser atirado pela janela para a terra de ninguém. Seria um absurdo que a entidade que tem como objectivo combater o desemprego, se proponha promovê-lo!
Ainda por cima quando não há supranumerários em Portugal!
Ficámos a saber que temos poucos funcionários públicos no conjunto da população activa – 17,6% – uma das taxas mais baixas da união europeia! Se estão bem dirigidos, se a organização e a eficiência correspondem às exigências, isso é outra coisa.
De qualquer modo, dizem-nos e acreditamos que o Estado está muito gordo, que a despesa é excessiva, que atrapalha o desenvolvimento!
Se o problema é a obesidade, faz-se dieta, e uma boa dieta é o exercício, não é preciso eliminar ninguém!
Há mil maneiras de fazer bacalhau: reduzindo a gordura de alguns salários, impondo tectos, limitando assessorias, bastando para tal acabar com os ministros político-partidários que por não perceberem nada das respectivas pastas, são obrigados a rodearem-se de especialistas para tudo. Neste capítulo parece que batemos recordes na Europa – a Côrte de cada ministro anda em média por 136 pessoas!!!
Quanto às dietas que passam pelo exercício, nada melhor que aproveitar o local e o posto de trabalho!
Mas há mais.
A solidariedade não se decreta, não se impõe pela força, e neste sentido é um erro manter o módulo republicano da guerra civil permanente! Não podemos andar a estabelecer diferenças artificiais entre as pessoas, dividindo e hostilizando aqui para obter ganhos ou popularidade acolá! E no fim esperar uma mobilização geral para o objectivo proposto! Não há milagres na despesa sem a boa vontade de todos os portugueses.
E já que estamos com a mão na massa, uma nova política de admissões na função pública também podia ajudar a reduzir a despesa: em primeiro lugar, acabando com o escândalo da via-verde partidária, fonte de corrupção, despesismo e incompetência; em segundo lugar, valorizando a experiência, sem limite de idade, em futuras admissões. O Estado aproveita quem já provou ser útil no privado, poupa na formação, e contribui para a redução do desemprego, dando uma oportunidade a tantos e tantos portugueses que o mercado deitou fora, como se de lixo se tratasse.
Um bom exemplo de solidariedade e melhor utilização dos impostos.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Imagens do Orçamento

Já não é a primeira vez que esta discussão me transporta para o interessante mundo da tauromaquia numa associação de imagens impressionante! Faço-o sem qualquer maldade, no maior respeito pela festa brava e naturalmente pelo orçamento. Mas é irresistível, olho para o hemiciclo e lembro-me do redondel, olho para o orçamento e lembro-me do animal! Bem servido de cornos, visto de longe, tem boa aparência, mas quando a gente se aproxima é uma desilusão! O bicho está aventado, balofo, não tem músculo, aquilo é só gordura. Também é fraco de artelhos, ajoelha ao primeiro capotazo e pior, dá sinais de mansidão. Sonha com as tábuas!
Que fazer? Devolvê-lo aos chiqueiros? Mandar entrar as chocas? Não podemos, a casa está passada, não há um bilhete, o inteligente que dê início à função.
A lide conta-se em poucas linhas:
O maestro e a sua quadrilha brindaram a faena, à banca e a outras instituições de beneficência.
Mas quem levou com as bandarilhas foram os funcionários públicos.
E quem vai pegar o animal somos todos nós!

quarta-feira, novembro 08, 2006

Nuvens de Outono

Hoje tenho a certeza que nenhum holocausto existiu e hei-de sepultar essa verdade comigo. Guardo outras mil certezas impossíveis, impronunciáveis, que me podiam valer o cadafalso. Conheço bem os vencedores da guerra, sei dos heróis que nos contaram, e dos vilões que nos mentiram.
Para quê?
Queimem em todas as bandeiras, a falsa liberdade, a opressão denodada, a raiva nos dentes da hiena. Escondam de mim esses aliados sem vergonha nem fé, que abanam a cauda no silêncio cúmplice.
Vai morrer um homem, um criminoso, um amigo, um monstro, um deus.
Para quem não saiba do que falo, vem no jornal, um tribunal escolheu a vítima ao acaso, mas podias ser tu, descendente rapace que espalhas o ódio com virtude, que trocaste a cara pela tua máscara. Cumpre o teu destino.
E que o sangue dos inocentes esteja sempre contigo.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Impróprio

Leio a sentença que pesa sobre a vida de Saddam Hussein – morte por enforcamento.
Depois disto o meu espírito desliza sem querer para a barbárie do nosso tempo, para os julgamentos políticos de Nuremberga, dos oficiais japoneses por terem perdido a guerra, para tantos e tantos actos justiceiros do homem todo-poderoso que tem a arma letal na sua mão, só por isso.
Mais bárbaros que os bárbaros.
‘Ai dos vencidos’ – esta exclamação do gaulês Breno quando recusou aos romanos a clemência que lhe pediam, tinha ainda assim mais nobreza que a frase do presidente americano que se congratula com a decisão do tribunal iraquiano!
Pena de Saddam?
Pena sobretudo dos seus carrascos e de quem compartilha a mesma crueldade.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Os passa-culpas

O truque é infantil mas tem surtido efeito porque os incautos são imensos e mordem o isco com tal força que ficam agarrados ao anzol!
Se a vida afinal não se referenda para quê tanta celeuma? Se o estado de direito não é o céu, nem coisa que se pareça, para quê invocá-lo?
Mas se a questão se resume a sentar ou não sentar uma mulher que aborta no banco dos réus, podemos tranquilamente falar sobre isso. Mas nunca colocando no prato da balança a vida de ninguém!
No dia em que isso acontecer, independentemente do número de semanas da criatura, quando a comunidade decidir que os que podem nascer são propriedade de alguém, seja esse alguém, uma pessoa, várias pessoas ou o próprio Estado, nesse dia acabou a maternidade, a palavra mãe deixou de fazer sentido, será mais justo chamar-lhe reprodução assistida.
A partir daqui ficou instituída a lei do mais forte em todas as relações humanas! O critério que permite nascer será o mesmo que permite matar. No caso da vida intra-uterina, depende da vontade dessa nova deusa da procriação – a mulher. Que será omnipotente dentro dos prazos legais!
Se soubesse que a minha vida depende apenas de um acto de generosidade de uma pessoa a quem chamo mãe, o mundo ruiria sobre a minha cabeça. Se soubesse que afinal não faço parte desse transcendente que a maternidade aceitou mediar sem reservas, preenchendo o mistério que me liga ao Criador, então a minha vida e a dos meus semelhantes passaria a ter um valor meramente utilitário.
E agiria em conformidade: o que me agrada ou não me incomoda pode viver; o que me desagrada e me incomoda pode morrer. A fórmula de manifestação desta vontade é indiferente, voto secreto ou braço no ar, sorteio ou roleta russa, fica à escolha de quem detém a força. A fragilidade jamais terá perdão!
Um longo intróito para dizer que não foi a transcendência da vida que se debateu nos ‘prós e contras’ da televisão pública. Ninguém ousou faze-lo!
Nestas condições o debate resvalou inevitavelmente para uma discussão, mais ou menos partidária, de equívocos e mentiras.
A mentira da despenalização não resistiu a uma simples pergunta: e depois das dez semanas, a mulher que aborta vai ou não sentar-se no banco dos réus? E mesmo que a lei institua um crime sem pena, é ou não crime abortar fora do prazo legal?
Mas teria sido importante colocar outras questões aos defensores da liberalização do aborto, por exemplo: Que sinal é que este referendo acaba por transmitir à população? Será um sinal de defesa da vida? De protecção dos mais frágeis? Ou será o império da vontade a ditar a sorte dos indefesos?
O equívoco também atingiu os partidários do ‘não’ quando se recusaram a responder se a defesa da vida intra-uterina inclui ou não os que podem nascer de um acto de violação? A vida de um inocente pode remir o crime da concepção?
Esta pergunta não pode ficar sem resposta.
Termino ditando para a acta uma certeza incómoda e que pode frustrar alguma contabilidade duvidosa: quando há sentimento de culpa, o aborto é sempre clandestino. Não depende da lei, do dinheiro ou da eficiência da clínica.
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Post Scriptum: Publicado também no blog colectivo - "Pela Vida".