Para todo o cristão o Cristianismo significa a plenitude da história. É por ele e nele que o homem atinge a consciência do que é, e encontra os meios de se realizar. Citarei palavras do já nomeado sociólogo inglês Dawson: “ o Cristianismo ensinava que entrara, com Jesus, no género humano e no mundo natural, um novo princípio de vida divina pelo qual a humanidade se via elevada a grau superior. Cristo é a cabeça desta humanidade restaurada, o primogénito da nova criação; e a vida da Igreja consiste no aumento progressivo da Incarnação pela gradual incorporação do género humano nesta ordem superior”.
Torna-se evidente que não se poderá salvar o homem, se se despreza a sua natureza e destino, ou, por outras palavras, a ordem natural e divina. No fundo de todo o problema de civilização e cultura está o problema do conceito do homem. Toda a obra que não respeita aquela ordem, sacrifica a pessoa humana. E como ela é o termo da criação, que de certo modo deve assumir e elevar consigo, degrada esta.
O filósofo Sartre insurge-se contra tal noção de ordem, de lei, de natureza. Elas importariam a ruína da liberdade. No drama filosófico Mouches manifesta claramente o seu pensamento: a recusa, a revolta oposta por Orestes à ordem estabelecida por Júpiter seria a condição da liberdade. Simplesmente, nem Júpiter é o Deus do Evangelho (e não há outro), nem a ordem cristã é essa ordem imutável governada pela lei fatal da necessidade, da filosofia grega.
Ordem natural, lei natural, ordem divina do mundo, não quer dizer alguma coisa de externo, de arbitrário, mas sim fidelidade à natureza íntima, à finalidade intrínseca da criação. É expressão do ser, autenticidade ontológica, esplendor de verdade.
E o Deus do Evangelho é Deus-Amor, como o definiu o Apóstolo teólogo. A lei cristã, a lei da graça, significa comunhão de amor, entre Deus e o homem. É deificação da criatura humana. Restaura, purifica, exalta, sobrenaturaliza. Insere na história a Luz e o Amor de Deus, a própria natureza divina. Numa palavra, é associação e colaboração da Trindade Santíssima e do homem.
E onde a relação é de amor, já não há lugar para servidão, só cabe liberdade.
Desprezar a ordem divina do mundo, desconhecer a natureza e destino do homem, será jazer infalivelmente na desordem, na tirania, no anti-natural e anti-cristão, no infra ou anti-humano.
Deus criador e redentor está no princípio de todo o programa e empresa de salvação do homem. Tudo readquire o seu lugar e valor no universo; refaz-se a harmonia da criação, que o pecado desfez; tudo se recupera e valoriza e hierarquiza, do que foi criado; tudo é salvo.
D. Manuel Gonçalves Cerejeira
Cardeal patriarca de Lisboa
(Última Lição como Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra – 1958) (excerto-continuação)
Torna-se evidente que não se poderá salvar o homem, se se despreza a sua natureza e destino, ou, por outras palavras, a ordem natural e divina. No fundo de todo o problema de civilização e cultura está o problema do conceito do homem. Toda a obra que não respeita aquela ordem, sacrifica a pessoa humana. E como ela é o termo da criação, que de certo modo deve assumir e elevar consigo, degrada esta.
O filósofo Sartre insurge-se contra tal noção de ordem, de lei, de natureza. Elas importariam a ruína da liberdade. No drama filosófico Mouches manifesta claramente o seu pensamento: a recusa, a revolta oposta por Orestes à ordem estabelecida por Júpiter seria a condição da liberdade. Simplesmente, nem Júpiter é o Deus do Evangelho (e não há outro), nem a ordem cristã é essa ordem imutável governada pela lei fatal da necessidade, da filosofia grega.
Ordem natural, lei natural, ordem divina do mundo, não quer dizer alguma coisa de externo, de arbitrário, mas sim fidelidade à natureza íntima, à finalidade intrínseca da criação. É expressão do ser, autenticidade ontológica, esplendor de verdade.
E o Deus do Evangelho é Deus-Amor, como o definiu o Apóstolo teólogo. A lei cristã, a lei da graça, significa comunhão de amor, entre Deus e o homem. É deificação da criatura humana. Restaura, purifica, exalta, sobrenaturaliza. Insere na história a Luz e o Amor de Deus, a própria natureza divina. Numa palavra, é associação e colaboração da Trindade Santíssima e do homem.
E onde a relação é de amor, já não há lugar para servidão, só cabe liberdade.
Desprezar a ordem divina do mundo, desconhecer a natureza e destino do homem, será jazer infalivelmente na desordem, na tirania, no anti-natural e anti-cristão, no infra ou anti-humano.
Deus criador e redentor está no princípio de todo o programa e empresa de salvação do homem. Tudo readquire o seu lugar e valor no universo; refaz-se a harmonia da criação, que o pecado desfez; tudo se recupera e valoriza e hierarquiza, do que foi criado; tudo é salvo.
D. Manuel Gonçalves Cerejeira
Cardeal patriarca de Lisboa
(Última Lição como Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra – 1958) (excerto-continuação)
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