Porque ignora ou esquece a lei de Deus, a lei natural e a lei cristã (a lei cristã consagra e eleva a primeira), é que o mundo actual recai no pecado de idolatria, adorando ídolos. E estes ídolos são como os cruéis ídolos da antiguidade, que devoram os adoradores. No culto deles, o homem espera a libertação, e torna-se mais escravo; celebra “os amanhãs que cantam” e chora sempre no desespero do presente; anuncia as searas que amadurecem, e nunca chega a colher-lhes o fruto.
À roda do cristão, os homens aí seduzidos por mitos salvadores: sistemas arvorados em dogmas, ideologias tornadas religião, místicas profanas erguidas a evangelho do mundo novo. Esquecida a verdadeira escala humana, desenvolvem-se os monstros; projectos de uma humanidade sem autêntica medida humana, esboços do homem que pretende ser por-si-mesmo, sem saber o que é e sem saber como pode ser; verdades humanas, relativas, que enlouqueceram, revestindo-se de atributos divinos, convertidas em princípios absolutos a que tudo o mais há-de ser sacrificado.
É aí o mito da liberdade, uma liberdade abstracta e absoluta, que destrói as liberdades; o da classe, que ressuscita, laicizado, o conceito messiânico de raça ou classe eleita, e trás consigo a guerra; o do estado divinizado, autoritário ou democrático, não importa, os quais são ambos totalitários, se não reconhecem as limitações e obrigações da lei natural e divina; o do socialismo marxista de um mundo e homem novos, que é construído sobre a imolação dos obreiros que não chegam – não chegarão nunca – a vê-lo; o da eficácia, que subordina a moral ao êxito, o bem concreto ao bem ideal, o presente ao futuro; o da novidade, que renuncia ao poder de julgar, descolora de valores a obra humana, faz do tempo o critério (que é a maneira de não ter critério), destrói a todo o momento o que cultivara; o do regime político, o qual confunde técnicas da organização política com valores morais ou mesmo com o Evangelho, identificando-se com a realização histórica do reino de Deus.
É missão do cristão no mundo de hoje desmitificar as realidades, as esperanças humanas. Ou, como disse certo escritor insuspeito, “desengordurar definitivamente a política da mistura impura do absoluto”. Mais precisamente, trazer os problemas do homem às suas dimensões naturais, colocá-los na verdadeira escala humana, situá-los, concretamente, na sua ordem, na sua medida, na sua natureza, na sua realidade, como já foi notado. O cristão fiel ao seu espírito nem poderá deixar-se embarcar em místicas irracionais, ou irrealistas, que violam a ordem da natureza; nem poderá deixar-se tentar por nenhuma forma de terrenismo. Tudo julga e mede por aquele único metro que mede o homem e a natureza, o Metro que é a medida da criação inteira, o Verbo de Deus feito homem.
E assim o cristão, iluminado pela Fé e guiado pala caridade, trabalha eficazmente no interior das humanas realidades, cooperando com Deus na construção do mundo. Liberta-as, restaura-as, ele salva verdadeiramente o mundo.
D. Manuel Gonçalves Cerejeira
Cardeal Patriarca de Lisboa
(Última Lição como Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra – 1958) (excerto-continuação)
À roda do cristão, os homens aí seduzidos por mitos salvadores: sistemas arvorados em dogmas, ideologias tornadas religião, místicas profanas erguidas a evangelho do mundo novo. Esquecida a verdadeira escala humana, desenvolvem-se os monstros; projectos de uma humanidade sem autêntica medida humana, esboços do homem que pretende ser por-si-mesmo, sem saber o que é e sem saber como pode ser; verdades humanas, relativas, que enlouqueceram, revestindo-se de atributos divinos, convertidas em princípios absolutos a que tudo o mais há-de ser sacrificado.
É aí o mito da liberdade, uma liberdade abstracta e absoluta, que destrói as liberdades; o da classe, que ressuscita, laicizado, o conceito messiânico de raça ou classe eleita, e trás consigo a guerra; o do estado divinizado, autoritário ou democrático, não importa, os quais são ambos totalitários, se não reconhecem as limitações e obrigações da lei natural e divina; o do socialismo marxista de um mundo e homem novos, que é construído sobre a imolação dos obreiros que não chegam – não chegarão nunca – a vê-lo; o da eficácia, que subordina a moral ao êxito, o bem concreto ao bem ideal, o presente ao futuro; o da novidade, que renuncia ao poder de julgar, descolora de valores a obra humana, faz do tempo o critério (que é a maneira de não ter critério), destrói a todo o momento o que cultivara; o do regime político, o qual confunde técnicas da organização política com valores morais ou mesmo com o Evangelho, identificando-se com a realização histórica do reino de Deus.
É missão do cristão no mundo de hoje desmitificar as realidades, as esperanças humanas. Ou, como disse certo escritor insuspeito, “desengordurar definitivamente a política da mistura impura do absoluto”. Mais precisamente, trazer os problemas do homem às suas dimensões naturais, colocá-los na verdadeira escala humana, situá-los, concretamente, na sua ordem, na sua medida, na sua natureza, na sua realidade, como já foi notado. O cristão fiel ao seu espírito nem poderá deixar-se embarcar em místicas irracionais, ou irrealistas, que violam a ordem da natureza; nem poderá deixar-se tentar por nenhuma forma de terrenismo. Tudo julga e mede por aquele único metro que mede o homem e a natureza, o Metro que é a medida da criação inteira, o Verbo de Deus feito homem.
E assim o cristão, iluminado pela Fé e guiado pala caridade, trabalha eficazmente no interior das humanas realidades, cooperando com Deus na construção do mundo. Liberta-as, restaura-as, ele salva verdadeiramente o mundo.
D. Manuel Gonçalves Cerejeira
Cardeal Patriarca de Lisboa
(Última Lição como Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra – 1958) (excerto-continuação)
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